

Sérgio Lüdtke
Jornalismo digital: entrevista com o editor do Comprova
08.02.2021 | Lorene Souza

Sérgio Lüdtke - Acervo pessoal
O jornalismo digital – ou webjornalismo, dentre outras denominações –, emergiu com a evolução das tecnologias digitais e vem revolucionando igualmente a rotina e as atribuições dos antigos e novos profissionais da área.
Sérgio Lüdtke, diretor da consultoria Interatores.com, editor do Projeto Comprova e membro da equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), cedeu um tempo do seu dia para oferecer uma opinião sobre os desafios para o “fazer jornalístico” no e para o ambiente digital.
Sérgio é formado pela PUC-RS, com Master em Gestão de Empresas Jornalísticas pelo ISE Business School e MBA em Marketing Digital pela Fundação Getúlio Vargas.
O jornalista foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Dirigiu o Master em Jornalismo Digital (ISE) e o Programa Avançado em Gestão da Comunicação Digital na Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Dirige a consultoria Interatores.com, é editor do Projeto Comprova e ainda atua na equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Ele traz a sua opinião sobre o jornalismo digital e relata um pouco da sua experiência abordando, em especial, o projeto Comprova, uma das mais importantes iniciativas no combate à desinformação no Brasil, do qual participa ativamente.
A primeira questão, em relação ao webjornalismo, seriam as várias nomenclaturas além desta, tais como: jornalismo online, ciberjornalismo, jornalismo dos meios digitais, jornalismo digital. Qual delas você mais utiliza no dia a dia ou é mais adotada pelo mercado?
Lüdtke: Acho que hoje em dia o que mais se utiliza é jornalismo digital, alguns ainda usam o jornalismo online. O jornalismo digital, acho que de certa forma é um guarda-chuva para muitas outras coisas. A gente trabalha hoje no digital, não tem mais esses quadradinhos para botar, por exemplo, o “jornalismo online”. Tudo é absolutamente online, hoje em dia a gente faz de tudo.
Então, penso que o digital é o que melhor define, mas não é uma definição oficial. Estou dando uma posição minha no que eu vejo, no que se refere ao jornalismo que se faz por esses meios, por plataformas, acho que o digital é o que predomina.
Conte um pouco como é a sua rotina de trabalho como jornalista digital, tarefas e funções que fazem parte.
Lüdtke: A minha atividade hoje, de redação, é muito mais ampla, é uma parte que se distingue um pouco do restante do jornalismo digital que é feito. É uma redação que, não só em função da pandemia, mas que antes já era [de modo] muito remoto. O grupo de editores trabalhava presencialmente, no mesmo local, mas todos os outros repórteres estavam remotamente trabalhando em suas redações, porque o Comprova é um projeto colaborativo, formado por várias redações. Esses jornalistas estavam inicialmente em suas redações e depois da pandemia a maior parte deles começou a trabalhar de forma remota.
Quanto ao que a gente fazia, que já era a nossa rotina diária, não houve movimentação assim tão grande. É óbvio que essa solidão não é só do jornalista digital, mas também de outros que estão nesse formato remoto, alguns escrevendo para impresso, outros para rádio. Basicamente, a gente tem uma equipe de editores, que se reúne todos os dias, define como vai ser o trabalho e vai se comunicando, durante todo o tempo, pelo grupo do WhastApp.
Existem ferramentas melhores para fazer esse trabalho e que ajudam na organização, mas a gente está mais no WhatsApp, por ser o que as pessoas mais usam, estão mais por dentro. Na reunião, fazemos uma verificação de dados, de fatos, nas redes sociais. Temos um grupo de estagiários que ajuda no monitoramento, e então fazemos a escolha do que vamos abrir para verificação. Quando a gente abre para a verificação, diferentemente das outras redações, a gente não chama um jornalista para passar aquele trabalho de investigação.
A gente oferece a um jornalista e ele se coloca como voluntário, então temos profissionais de redações diferentes que trabalham de modo colaborativo. Cada um ajuda de uma maneira para fazer a verificação, são sempre investigações a seis ou a oito mãos. Todos esses jornalistas usam um documento que fica disponível na nuvem. Trabalham a partir da pauta que a gente apresenta, fazem a investigação e lançam no documento todo o registro do que fizeram, também propondo a sugestão de texto sobre essa verificação. Para esse mesmo documento, a gente chama os outros pares [veículos] que vão trabalhar na verificação, para fazerem uma revisão mais profunda, além de revisão de texto, de editorial, mas dos dados coletados, se estão de acordo.
Depois, o conteúdo é publicado e os veículos que integram o Comprova republicam nos seus próprios canais essa reportagem de investigação. É um trabalho que se distingue daquele de outras redações, pois parte do trabalho é dos editores e outra parte é absolutamente reativa ao que eles [jornalistas] receberam, sem acompanhamento forte dos editores.
Como jornalista, o que você escreve, produz, publica? Como é a rotina de um jornalista digital?
Lüdtke: Publico textos mais analíticos hoje, não escrevo mais matérias diárias, não faço trabalho de reportagem. Trabalho na edição dos textos que a gente publica, mas que são escritos por outros jornalistas, repórteres, atuo hoje mais da revisão de conteúdo.
No que diz respeito à rotina no jornalismo digital, o jornalista tende a ser um pouco mais autônomo e normalmente já é o cara que cumpre várias das tarefas. Um jornal, por exemplo, é dividido entre várias pessoas: o repórter te oferece o texto da investigação, que foi pautado por um editor para fazer determinada matéria. O próprio editor pode fazer a reticulação, passar para alguém fazer o fechamento de página, pode ainda modificar. Tem o fotógrafo que vai produzir imagens e enviar para que o editor escolha ou passe para o editor de fotografia, que vai legendar, escolher em que página vai.
Quando esse trabalho vai para o digital, muitas vezes é o jornalista que vai escolher o que publicar. Ele acompanha um determinado assunto, vai buscando essas informações de agência ou fazendo contato, algum tipo de entrevista com uma fonte. Conversa, faz o texto, escolhe as imagens que pediu ou recebeu, faz a legenda, usa um sistema que vai dar sugestão de títulos que são mais adequados à otimização por buscadores com palavras-chave, algo muito importante no trabalho de edição. E, provavelmente, vai “vender” para o editor de Home para que ele publique dando mais destaque a esse texto.
Em alguns lugares, esse mesmo jornalista é o responsável de levar isso para as redes sociais. Mesmo nas grandes redações ele tem mais autonomia, são várias coisas que estão na mão do repórter, links por exemplo. Links que são de conteúdo complementar, que podem ajudar o leitor que precisa ou quer mais informações. Muitas vezes, o sistema já sugere conteúdos similares, que o site já publicou antes, vídeos que podem ajudar na verificação, até outras produções [do assunto], como podcasts e vídeos da própria publicação. A grande diferença parece ser a autonomia, que é maior no digital do que no analógico.
Tudo isso faz do jornalista digital um profissional multitarefa, na sua opinião?
Lüdtke: É multitarefa. Além de dominar a linguagem, é preciso ter uma cultura visual, vai para a rua com um telefone celular para gravar algo em vídeo. Precisa ter uma cultura de som, porque ao gravar precisa garantir que o som vai ter boa qualidade. Precisa ter uma cultura de texto, que é normal, mas também precisa ter essa visão do todo, um pouco editorial.
Então, realmente é um sujeito de quem se espera mais, se exige mais e que precisa ter outras especialidades. Por exemplo, entender de visualização de dados. O jornalismo de dados é importante hoje no digital, temos muitas bases de dados - Lei da Transparência [Lei Capiberibe], Lei de Acesso à Informação [LAI] - que estão disponíveis e que podem contribuir muito, tanto para um jornalista que vai escrever um texto sobre fatos, sobre dados, como para um jornalista que vai fazer uma análise, que exija uma visão desses dados.
Como utilizar uma planilha e colocar em um gráfico, para dar uma capacidade melhor de leitura que esses dados estão expressando. Pegar os dados, por exemplo, de vacinação e inserir em um mapa, mostrando as regiões que estão com mais vacinação ou não. Isso vai demonstrando como é importante que a gente tenha uma diversidade maior de conhecimentos, uma capacidade de desempenhar essas tarefas, operar produtos multimídia, ter essas culturas que são complementares.
Quanto mais o jornalista consegue ocupar esses espaços, mais completo ele é enquanto profissional.
O ambiente digital tem características que transformaram, de fato, a atividade do jornalista, principalmente questões relativas a hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, instantaneidade, ubiquidade, personalização e memória digital, para citar algumas. Na sua opinião, qual ou quais características mais pressionam o jornalista, sob o ponto de vista da qualidade do que ele produz no digital?
Lüdtke: Vou dividir a minha resposta em dois pontos. Para mim, a questão da instantaneidade – a pressa – é o que mais pressiona. Isto é um problema, porque a gente confunde agilidade com pressa. Tem muitas coisas no jornalismo digital que exige um planejamento prévio para que se possa ter agilidade na entrega.
Em tudo o que a gente coloca pressa, essa “agilidade”, a gente corre uma série de riscos, como o de não fazer uma verificação correta, checar várias fontes, de se submeter demais ao “clique”, de lidar com uma informação que é totalmente correta. Depois que solta, a gente não traz de volta.
O que eu acho que melhor define o trabalho no digital, entre essas características, além do aspecto multimídia, é a possibilidade de interação, é o único meio que possibilita isso. É possível receber online mais informações, críticas, perguntas, é um aspecto que deveria hoje ser melhor explorado pelo jornalista digital. Essa capacidade de relacionamento, de obtenção tanto de informações como de uma série de trocas, a partir do relacionamento com o público.
Com relação a fontes, você acha que há diferença para o jornalista digital?
Lüdtke: Tem diferença, mesmo o jornalismo digital mudou e vem mudando nesse aspecto. Ele se formou muito em cima de fontes secundárias. Muitos refazendo ou utilizando conteúdos de outros veículos do mesmo grupo, o mesmo grupo tem um site e uma rádio, TV, jornal, os conteúdos são empacotados. A republicação de conteúdos publicados, tudo isso foi um achado ruim para o jornalismo. O jornalismo digital tinha menos peso, tinha dificuldade no acesso às fontes, por não ter marca, por não ter um espaço de exposição tão importante, tão relevante.
Agora já se vê um jornalismo mais bem-feito. Ainda há entrevistas por e-mail, o WhatsApp, sem que seja retrucado, o registro sendo feito pelo entrevistado, sem estar cara a cara com ele. Antes, o entrevistado poderia receber uma pergunta pela qual ficaria desconcertado, hoje basta a ele fazer uma busca no Google e apresentar algo como se tivesse dado uma entrevista presencial. É o contato fácil, a pessoa pode responder a qualquer momento, mas se perde boa parte do que se poderia fazer durante um contato presencial.
Antes era possível gastar o seu tempo entendendo o contexto, é algo que se perdeu, hoje se busca via internet, via reprodução ou leituras do que outros fizeram. Não tem o ambiente para você reportar, como é que a pessoa te recebeu, se ela foi interrompida por alguma coisa, se ela estava dando ênfase para determinado tema, se estava constrangida com alguma coisa.
O que o jornalista poderia fazer para não cair nessa rotina e aumentar a qualidade do trabalho com fontes?
Lüdtke: Acho que é meio um caminho sem volta, mas usar recursos melhores, uma videochamada, quando é possível capturar um pouco mais de reações, de comportamento, é sempre melhor. A entrevista por e-mail facilita para todo mundo: para o entrevistado, para o jornalista, que pode trabalhar em outra pauta. Porém, uma coisa que o digital oferece é estimular melhor o contato pessoal, é melhor do que o telefone, eu recorreria a isso.
Mercado de trabalho: o que você vê de perspectiva para o jornalista digital?
Lüdtke: Acho que tem várias especialidades no horizonte, vários caminhos, tem uma multiplicidade de usos desse conhecimento. Seja para fazer um jornalismo convencional, tradicional, ainda que no digital, seja também para trabalhar com comunicação em várias outras áreas e especialidades, como é o caso da especialidade à qual tenho dedicado parte do meu trabalho: a de verificação, de checagem de fatos.
Outra, na parte de dados, um campo enorme para se trabalhar. Redes sociais, produção de conteúdo para redes sociais também tem uma diversidade de possibilidades. Novos empreendimentos, novos sites que vão surgindo para trabalhar com públicos específicos, com identificação de públicos de interesse que precisam de informação de boa qualidade. Newsletters transformadas nos novos jornais diários, podcast crescendo bastante no país, comunicação em vídeo.
Em termos de mercado de trabalho, é um momento muito bom, e com perspectivas ainda melhores. O jornalismo, em si, está sofrendo uma série de ataques, mas principalmente centrados nas grandes organizações, que acabam tendo uma influência no discurso, no debate político. E vem da política esse ataque muito forte ao jornalismo, é preciso tomar cuidado, se defender, dar uma resposta à sociedade, principalmente para readquirir confiança.
A baixa confiança no trabalho do jornalismo é algo que a gente vem observando há mais tempo e serve de munição para quem quer fazer esses ataques. O jornalismo está sob ataque, mas o mercado de trabalho para o jornalista apresenta uma série de possibilidades, uma oferta hoje muito maior. A remuneração é uma questão em aberto, porque é mais difícil.
As iniciativas individuais requerem uma capacidade de buscar o financiamento para isso, por meio de assinaturas, publicidade ou outros formatos, há dezenas de formatos possíveis. Talvez, seja uma outra especialidade para o jornalista que queira enveredar por essa área, que é entender de negócios, em que o modelo de negócios tem que incorporar o modelo editorial.
Sérgio Lüdtke, diretor da consultoria Interatores.com, editor do Projeto Comprova e membro da equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), cedeu um tempo do seu dia para oferecer uma opinião sobre os desafios para o “fazer jornalístico” no e para o ambiente digital. Sérgio é formado pela PUC-RS, com Master em Gestão de Empresas Jornalísticas pelo ISE Business School e MBA em Marketing Digital pela Fundação Getúlio Vargas.
O jornalista foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Dirigiu o Master em Jornalismo Digital (ISE) e o Programa Avançado em Gestão da Comunicação Digital na Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Dirige a consultoria Interatores.com, é editor do Projeto Comprova e ainda atua na equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Ele traz a sua opinião sobre o jornalismo digital e relata um pouco da sua experiência abordando, em especial, o projeto Comprova, uma das mais importantes iniciativas no combate à desinformação no Brasil, do qual participa ativamente.
LS: A primeira questão, em relação ao webjornalismo, seriam as várias nomenclaturas além desta, tais como: jornalismo online, ciberjornalismo, jornalismo dos meios digitais, jornalismo digital. Qual delas você mais utiliza no dia a dia ou é mais adotada pelo mercado?
Lüdtke: Acho que hoje em dia o que mais se utiliza é jornalismo digital, alguns ainda usam o jornalismo online. O jornalismo digital, acho que de certa forma é um guarda-chuva para muitas outras coisas. A gente trabalha hoje no digital, não tem mais esses quadradinhos para botar, por exemplo, o “jornalismo online”. Tudo é absolutamente online, hoje em dia a gente faz de tudo. Então, penso que o digital é o que melhor define, mas não é uma definição oficial. Estou dando uma posição minha no que eu vejo, no que se refere ao jornalismo que se faz por esses meios, por plataformas, acho que o digital é o que predomina.
LS: Conte um pouco como é a sua rotina de trabalho como jornalista digital, tarefas e funções que fazem parte.
Lüdtke: A minha atividade hoje, de redação, é muito mais ampla, é uma parte que se distingue um pouco do restante do jornalismo digital que é feito. É uma redação que, não só em função da pandemia, mas que antes já era [de modo] muito remoto. O grupo de editores trabalhava presencialmente, no mesmo local, mas todos os outros repórteres estavam remotamente trabalhando em suas redações, porque o Comprova é um projeto colaborativo, formado por várias redações. Esses jornalistas estavam inicialmente em suas redações e depois da pandemia a maior parte deles começou a trabalhar de forma remota. Quanto ao que a gente fazia, que já era a nossa rotina diária, não houve movimentação assim tão grande. É óbvio que essa solidão não é só do jornalista digital, mas também de outros que estão nesse formato remoto, alguns escrevendo para impresso, outros para rádio. Basicamente, a gente tem uma equipe de editores, que se reúne todos os dias, define como vai ser o trabalho e vai se comunicando, durante todo o tempo, pelo grupo do WhastApp. Existem ferramentas melhores para fazer esse trabalho e que ajudam na organização, mas a gente está mais no WhatsApp, por ser o que as pessoas mais usam, estão mais por dentro. Na reunião, fazemos uma verificação de dados, de fatos, nas redes sociais. Temos um grupo de estagiários que ajuda no monitoramento, e então fazemos a escolha do que vamos abrir para verificação. Quando a gente abre para a verificação, diferentemente das outras redações, a gente não chama um jornalista para passar aquele trabalho de investigação. A gente oferece a um jornalista e ele se coloca como voluntário, então temos profissionais de redações diferentes que trabalham de modo colaborativo. Cada um ajuda de uma maneira para fazer a verificação, são sempre investigações a seis ou a oito mãos. Todos esses jornalistas usam um documento que fica disponível na nuvem. Trabalham a partir da pauta que a gente apresenta, fazem a investigação e lançam no documento todo o registro do que fizeram, também propondo a sugestão de texto sobre essa verificação. Para esse mesmo documento, a gente chama os outros pares [veículos] que vão trabalhar na verificação, para fazerem uma revisão mais profunda, além de revisão de texto, de editorial, mas dos dados coletados, se estão de acordo. Depois, o conteúdo é publicado e os veículos que integram o Comprova republicam nos seus próprios canais essa reportagem de investigação. É um trabalho que se distingue daquele de outras redações, pois parte do trabalho é dos editores e outra parte é absolutamente reativa ao que eles [jornalistas] receberam, sem acompanhamento forte dos editores.
LS: Como jornalista, o que você escreve, produz, publica? Como é a rotina de um jornalista digital?
Lüdtke: Publico textos mais analíticos hoje, não escrevo mais matérias diárias, não faço trabalho de reportagem. Trabalho na edição dos textos que a gente publica, mas que são escritos por outros jornalistas, repórteres, atuo hoje mais da revisão de conteúdo. No que diz respeito à rotina no jornalismo digital, o jornalista tende a ser um pouco mais autônomo e normalmente já é o cara que cumpre várias das tarefas. Um jornal, por exemplo, é dividido entre várias pessoas: o repórter te oferece o texto da investigação, que foi pautado por um editor para fazer determinada matéria. O próprio editor pode fazer a reticulação, passar para alguém fazer o fechamento de página, pode ainda modificar. Tem o fotógrafo que vai produzir imagens e enviar para que o editor escolha ou passe para o editor de fotografia, que vai legendar, escolher em que página vai. Quando esse trabalho vai para o digital, muitas vezes é o jornalista que vai escolher o que publicar. Ele acompanha um determinado assunto, vai buscando essas informações de agência ou fazendo contato, algum tipo de entrevista com uma fonte. Conversa, faz o texto, escolhe as imagens que pediu ou recebeu, faz a legenda, usa um sistema que vai dar sugestão de títulos que são mais adequados à otimização por buscadores com palavras-chave, algo muito importante no trabalho de edição. E, provavelmente, vai “vender” para o editor de Home para que ele publique dando mais destaque a esse texto. Em alguns lugares, esse mesmo jornalista é o responsável de levar isso para as redes sociais. A grande diferença do jornalismo digital para o restante, é essa autonomia. Mesmo nas grandes redações ele tem mais autonomia, são várias coisas que estão na mão do repórter, links por exemplo. Links que são de conteúdo complementar, que podem ajudar o leitor que precisa ou quer mais informações. Muitas vezes, o sistema já sugere conteúdos similares, que o site já publicou antes, vídeos que podem ajudar na verificação, até outras produções [do assunto], como podcasts e vídeos da própria publicação. A grande diferença parece ser a autonomia, que é maior no digital do que no analógico.
LS: Tudo isso faz do jornalista digital um profissional multitarefa, na sua opinião?
Lüdtke: É multitarefa. Além de dominar a linguagem, é preciso ter uma cultura visual, vai para a rua com um telefone celular para gravar algo em vídeo. Precisa ter uma cultura de som, porque ao gravar precisa garantir que o som vai ter boa qualidade. Precisa ter uma cultura de texto, que é normal, mas também precisa ter essa visão do todo, um pouco editorial. Então, realmente é um sujeito de quem se espera mais, se exige mais e que precisa ter outras especialidades. Por exemplo, entender de visualização de dados. O jornalismo de dados é importante hoje no digital, temos muitas bases de dados - Lei da Transparência [Lei Capiberibe], Lei de Acesso à Informação [LAI] - que estão disponíveis e que podem contribuir muito, tanto para um jornalista que vai escrever um texto sobre fatos, sobre dados, como para um jornalista que vai fazer uma análise, que exija uma visão desses dados. Como utilizar uma planilha e colocar em um gráfico, para dar uma capacidade melhor de leitura que esses dados estão expressando. Pegar os dados, por exemplo, de vacinação e inserir em um mapa, mostrando as regiões que estão com mais vacinação ou não. Isso vai demonstrando como é importante que a gente tenha uma diversidade maior de conhecimentos, uma capacidade de desempenhar essas tarefas, operar produtos multimídia, ter essas culturas que são complementares. Quanto mais o jornalista consegue ocupar esses espaços, mais completo ele é enquanto profissional.
LS: O ambiente digital tem características que transformaram, de fato, a atividade do jornalista, principalmente questões relativas a hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, instantaneidade, ubiquidade, personalização e memória digital, para citar algumas. Na sua opinião, qual ou quais características mais pressionam o jornalista, sob o ponto de vista da qualidade do que ele produz no digital?
Lüdtke: Vou dividir a minha resposta em dois pontos. Para mim, a questão da instantaneidade – a pressa – é o que mais pressiona. Isto é um problema, porque a gente confunde agilidade com pressa. Tem muitas coisas no jornalismo digital que exige um planejamento prévio para que se possa ter agilidade na entrega. Em tudo o que a gente coloca pressa, essa “agilidade”, a gente corre uma série de riscos, como o de não fazer uma verificação correta, checar várias fontes, de se submeter demais ao “clique”, de lidar com uma informação que é totalmente correta. Depois que solta, a gente não traz de volta. O que eu acho que melhor define o trabalho no digital, entre essas características, além do aspecto multimídia, é a possibilidade de interação, é o único meio que possibilita isso. É possível receber online mais informações, críticas, perguntas, é um aspecto que deveria hoje ser melhor explorado pelo jornalista digital. Essa capacidade de relacionamento, de obtenção tanto de informações como de uma série de trocas, a partir do relacionamento com o público.
LS: Com relação a fontes, você acha que há diferença para o jornalista digital?
Lüdtke: Tem diferença, mesmo o jornalismo digital mudou e vem mudando nesse aspecto. Ele se formou muito em cima de fontes secundárias. Muitos refazendo ou utilizando conteúdos de outros veículos do mesmo grupo, o mesmo grupo tem um site e uma rádio, TV, jornal, os conteúdos são empacotados. A republicação de conteúdos publicados, tudo isso foi um achado ruim para o jornalismo. O jornalismo digital tinha menos peso, tinha dificuldade no acesso às fontes, por não ter marca, por não ter um espaço de exposição tão importante, tão relevante. Agora já se vê um jornalismo mais bem-feito. Ainda há entrevistas por e-mail, o WhatsApp, sem que seja retrucado, o registro sendo feito pelo entrevistado, sem estar cara a cara com ele. Antes, o entrevistado poderia receber uma pergunta pela qual ficaria desconcertado, hoje basta a ele fazer uma busca no Google e apresentar algo como se tivesse dado uma entrevista presencial. É o contato fácil, a pessoa pode responder a qualquer momento, mas se perde boa parte do que se poderia fazer durante um contato presencial. Antes era possível gastar o seu tempo entendendo o contexto, é algo que se perdeu, hoje se busca via internet, via reprodução ou leituras do que outros fizeram. Não tem o ambiente para você reportar, como é que a pessoa te recebeu, se ela foi interrompida por alguma coisa, se ela estava dando ênfase para determinado tema, se estava constrangida com alguma coisa.
LS: O que o jornalista poderia fazer para não cair nessa rotina e aumentar a qualidade do trabalho com fontes?
Lüdtke: Acho que é meio um caminho sem volta, mas usar recursos melhores, uma videochamada, quando é possível capturar um pouco mais de reações, de comportamento, é sempre melhor. A entrevista por e-mail facilita para todo mundo: para o entrevistado, para o jornalista, que pode trabalhar em outra pauta. Porém, uma coisa que o digital oferece é estimular melhor o contato pessoal, é melhor do que o telefone, eu recorreria a isso.
LS: Mercado de trabalho: o que você vê de perspectiva para o jornalista digital?
Lüdtke: Acho que tem várias especialidades no horizonte, vários caminhos, tem uma multiplicidade de usos desse conhecimento. Seja para fazer um jornalismo convencional, tradicional, ainda que no digital, seja também para trabalhar com comunicação em várias outras áreas e especialidades, como é o caso da especialidade à qual tenho dedicado parte do meu trabalho: a de verificação, de checagem de fatos. Outra, na parte de dados, um campo enorme para se trabalhar. Redes sociais, produção de conteúdo para redes sociais também tem uma diversidade de possibilidades. Novos empreendimentos, novos sites que vão surgindo para trabalhar com públicos específicos, com identificação de públicos de interesse que precisam de informação de boa qualidade. Newsletters transformadas nos novos jornais diários, podcast crescendo bastante no país, comunicação em vídeo. Em termos de mercado de trabalho, é um momento muito bom, e com perspectivas ainda melhores. O jornalismo, em si, está sofrendo uma série de ataques, mas principalmente centrados nas grandes organizações, que acabam tendo uma influência no discurso, no debate político. E vem da política esse ataque muito forte ao jornalismo, é preciso tomar cuidado, se defender, dar uma resposta à sociedade, principalmente para readquirir confiança. A baixa confiança no trabalho do jornalismo é algo que a gente vem observando há mais tempo e serve de munição para quem quer fazer esses ataques. O jornalismo está sob ataque, mas o mercado de trabalho para o jornalista apresenta uma série de possibilidades, uma oferta hoje muito maior. A remuneração é uma questão em aberto, porque é mais difícil. As iniciativas individuais requerem uma capacidade de buscar o financiamento para isso, por meio de assinaturas, publicidade ou outros formatos, há dezenas de formatos possíveis. Talvez, seja uma outra especialidade para o jornalista que queira enveredar por essa área, que é entender de negócios, em que o modelo de negócios tem que incorporar o modelo editorial.
O jornalismo digital – ou webjornalismo, entre outras denominações –, emergiu com a evolução das tecnologias digitais e vem revolucionando igualmente a rotina e as atribuições dos antigos e novos profissionais da área.
Sérgio Lüdtke, diretor da consultoria Interatores.com, editor do Projeto Comprova e membro da equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), cedeu um tempo do seu dia para oferecer uma opinião sobre os desafios para o “fazer jornalístico” no e para o ambiente digital. Sérgio é formado pela PUC-RS, com Master em Gestão de Empresas Jornalísticas pelo ISE Business School e MBA em Marketing Digital pela Fundação Getúlio Vargas.
O jornalista foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Dirigiu o Master em Jornalismo Digital (ISE) e o Programa Avançado em Gestão da Comunicação Digital na Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Dirige a consultoria Interatores.com, é editor do Projeto Comprova e ainda atua na equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Ele traz a sua opinião sobre o jornalismo digital e relata um pouco da sua experiência abordando, em especial, o projeto Comprova, uma das mais importantes iniciativas no combate à desinformação no Brasil, do qual participa ativamente.
LS: A primeira questão, em relação ao webjornalismo, seriam as várias nomenclaturas além desta, tais como: jornalismo online, ciberjornalismo, jornalismo dos meios digitais, jornalismo digital. Qual delas você mais utiliza no dia a dia ou é mais adotada pelo mercado?
Lüdtke: Acho que hoje em dia o que mais se utiliza é jornalismo digital, alguns ainda usam o jornalismo online. O jornalismo digital, acho que de certa forma é um guarda-chuva para muitas outras coisas. A gente trabalha hoje no digital, não tem mais esses quadradinhos para botar, por exemplo, o “jornalismo online”. Tudo é absolutamente online, hoje em dia a gente faz de tudo. Então, penso que o digital é o que melhor define, mas não é uma definição oficial. Estou dando uma posição minha no que eu vejo, no que se refere ao jornalismo que se faz por esses meios, por plataformas, acho que o digital é o que predomina.
LS: Conte um pouco como é a sua rotina de trabalho como jornalista digital, tarefas e funções que fazem parte.
Lüdtke: A minha atividade hoje, de redação, é muito mais ampla, é uma parte que se distingue um pouco do restante do jornalismo digital que é feito. É uma redação que, não só em função da pandemia, mas que antes já era [de modo] muito remoto. O grupo de editores trabalhava presencialmente, no mesmo local, mas todos os outros repórteres estavam remotamente trabalhando em suas redações, porque o Comprova é um projeto colaborativo, formado por várias redações. Esses jornalistas estavam inicialmente em suas redações e depois da pandemia a maior parte deles começou a trabalhar de forma remota. Quanto ao que a gente fazia, que já era a nossa rotina diária, não houve movimentação assim tão grande. É óbvio que essa solidão não é só do jornalista digital, mas também de outros que estão nesse formato remoto, alguns escrevendo para impresso, outros para rádio. Basicamente, a gente tem uma equipe de editores, que se reúne todos os dias, define como vai ser o trabalho e vai se comunicando, durante todo o tempo, pelo grupo do WhastApp. Existem ferramentas melhores para fazer esse trabalho e que ajudam na organização, mas a gente está mais no WhatsApp, por ser o que as pessoas mais usam, estão mais por dentro. Na reunião, fazemos uma verificação de dados, de fatos, nas redes sociais. Temos um grupo de estagiários que ajuda no monitoramento, e então fazemos a escolha do que vamos abrir para verificação. Quando a gente abre para a verificação, diferentemente das outras redações, a gente não chama um jornalista para passar aquele trabalho de investigação. A gente oferece a um jornalista e ele se coloca como voluntário, então temos profissionais de redações diferentes que trabalham de modo colaborativo. Cada um ajuda de uma maneira para fazer a verificação, são sempre investigações a seis ou a oito mãos. Todos esses jornalistas usam um documento que fica disponível na nuvem. Trabalham a partir da pauta que a gente apresenta, fazem a investigação e lançam no documento todo o registro do que fizeram, também propondo a sugestão de texto sobre essa verificação. Para esse mesmo documento, a gente chama os outros pares [veículos] que vão trabalhar na verificação, para fazerem uma revisão mais profunda, além de revisão de texto, de editorial, mas dos dados coletados, se estão de acordo. Depois, o conteúdo é publicado e os veículos que integram o Comprova republicam nos seus próprios canais essa reportagem de investigação. É um trabalho que se distingue daquele de outras redações, pois parte do trabalho é dos editores e outra parte é absolutamente reativa ao que eles [jornalistas] receberam, sem acompanhamento forte dos editores.
LS: Como jornalista, o que você escreve, produz, publica? Como é a rotina de um jornalista digital?
Lüdtke: Publico textos mais analíticos hoje, não escrevo mais matérias diárias, não faço trabalho de reportagem. Trabalho na edição dos textos que a gente publica, mas que são escritos por outros jornalistas, repórteres, atuo hoje mais da revisão de conteúdo. No que diz respeito à rotina no jornalismo digital, o jornalista tende a ser um pouco mais autônomo e normalmente já é o cara que cumpre várias das tarefas. Um jornal, por exemplo, é dividido entre várias pessoas: o repórter te oferece o texto da investigação, que foi pautado por um editor para fazer determinada matéria. O próprio editor pode fazer a reticulação, passar para alguém fazer o fechamento de página, pode ainda modificar. Tem o fotógrafo que vai produzir imagens e enviar para que o editor escolha ou passe para o editor de fotografia, que vai legendar, escolher em que página vai. Quando esse trabalho vai para o digital, muitas vezes é o jornalista que vai escolher o que publicar. Ele acompanha um determinado assunto, vai buscando essas informações de agência ou fazendo contato, algum tipo de entrevista com uma fonte. Conversa, faz o texto, escolhe as imagens que pediu ou recebeu, faz a legenda, usa um sistema que vai dar sugestão de títulos que são mais adequados à otimização por buscadores com palavras-chave, algo muito importante no trabalho de edição. E, provavelmente, vai “vender” para o editor de Home para que ele publique dando mais destaque a esse texto. Em alguns lugares, esse mesmo jornalista é o responsável de levar isso para as redes sociais. A grande diferença do jornalismo digital para o restante, é essa autonomia. Mesmo nas grandes redações ele tem mais autonomia, são várias coisas que estão na mão do repórter, links por exemplo. Links que são de conteúdo complementar, que podem ajudar o leitor que precisa ou quer mais informações. Muitas vezes, o sistema já sugere conteúdos similares, que o site já publicou antes, vídeos que podem ajudar na verificação, até outras produções [do assunto], como podcasts e vídeos da própria publicação. A grande diferença parece ser a autonomia, que é maior no digital do que no analógico.
LS: Tudo isso faz do jornalista digital um profissional multitarefa, na sua opinião?
Lüdtke: É multitarefa. Além de dominar a linguagem, é preciso ter uma cultura visual, vai para a rua com um telefone celular para gravar algo em vídeo. Precisa ter uma cultura de som, porque ao gravar precisa garantir que o som vai ter boa qualidade. Precisa ter uma cultura de texto, que é normal, mas também precisa ter essa visão do todo, um pouco editorial. Então, realmente é um sujeito de quem se espera mais, se exige mais e que precisa ter outras especialidades. Por exemplo, entender de visualização de dados. O jornalismo de dados é importante hoje no digital, temos muitas bases de dados - Lei da Transparência [Lei Capiberibe], Lei de Acesso à Informação [LAI] - que estão disponíveis e que podem contribuir muito, tanto para um jornalista que vai escrever um texto sobre fatos, sobre dados, como para um jornalista que vai fazer uma análise, que exija uma visão desses dados. Como utilizar uma planilha e colocar em um gráfico, para dar uma capacidade melhor de leitura que esses dados estão expressando. Pegar os dados, por exemplo, de vacinação e inserir em um mapa, mostrando as regiões que estão com mais vacinação ou não. Isso vai demonstrando como é importante que a gente tenha uma diversidade maior de conhecimentos, uma capacidade de desempenhar essas tarefas, operar produtos multimídia, ter essas culturas que são complementares. Quanto mais o jornalista consegue ocupar esses espaços, mais completo ele é enquanto profissional.
LS: O ambiente digital tem características que transformaram, de fato, a atividade do jornalista, principalmente questões relativas a hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, instantaneidade, ubiquidade, personalização e memória digital, para citar algumas. Na sua opinião, qual ou quais características mais pressionam o jornalista, sob o ponto de vista da qualidade do que ele produz no digital?
Lüdtke: Vou dividir a minha resposta em dois pontos. Para mim, a questão da instantaneidade – a pressa – é o que mais pressiona. Isto é um problema, porque a gente confunde agilidade com pressa. Tem muitas coisas no jornalismo digital que exige um planejamento prévio para que se possa ter agilidade na entrega. Em tudo o que a gente coloca pressa, essa “agilidade”, a gente corre uma série de riscos, como o de não fazer uma verificação correta, checar várias fontes, de se submeter demais ao “clique”, de lidar com uma informação que é totalmente correta. Depois que solta, a gente não traz de volta. O que eu acho que melhor define o trabalho no digital, entre essas características, além do aspecto multimídia, é a possibilidade de interação, é o único meio que possibilita isso. É possível receber online mais informações, críticas, perguntas, é um aspecto que deveria hoje ser melhor explorado pelo jornalista digital. Essa capacidade de relacionamento, de obtenção tanto de informações como de uma série de trocas, a partir do relacionamento com o público.
LS: Com relação a fontes, você acha que há diferença para o jornalista digital?
Lüdtke: Tem diferença, mesmo o jornalismo digital mudou e vem mudando nesse aspecto. Ele se formou muito em cima de fontes secundárias. Muitos refazendo ou utilizando conteúdos de outros veículos do mesmo grupo, o mesmo grupo tem um site e uma rádio, TV, jornal, os conteúdos são empacotados. A republicação de conteúdos publicados, tudo isso foi um achado ruim para o jornalismo. O jornalismo digital tinha menos peso, tinha dificuldade no acesso às fontes, por não ter marca, por não ter um espaço de exposição tão importante, tão relevante. Agora já se vê um jornalismo mais bem-feito. Ainda há entrevistas por e-mail, o WhatsApp, sem que seja retrucado, o registro sendo feito pelo entrevistado, sem estar cara a cara com ele. Antes, o entrevistado poderia receber uma pergunta pela qual ficaria desconcertado, hoje basta a ele fazer uma busca no Google e apresentar algo como se tivesse dado uma entrevista presencial. É o contato fácil, a pessoa pode responder a qualquer momento, mas se perde boa parte do que se poderia fazer durante um contato presencial. Antes era possível gastar o seu tempo entendendo o contexto, é algo que se perdeu, hoje se busca via internet, via reprodução ou leituras do que outros fizeram. Não tem o ambiente para você reportar, como é que a pessoa te recebeu, se ela foi interrompida por alguma coisa, se ela estava dando ênfase para determinado tema, se estava constrangida com alguma coisa.
LS: O que o jornalista poderia fazer para não cair nessa rotina e aumentar a qualidade do trabalho com fontes?
Lüdtke: Acho que é meio um caminho sem volta, mas usar recursos melhores, uma videochamada, quando é possível capturar um pouco mais de reações, de comportamento, é sempre melhor. A entrevista por e-mail facilita para todo mundo: para o entrevistado, para o jornalista, que pode trabalhar em outra pauta. Porém, uma coisa que o digital oferece é estimular melhor o contato pessoal, é melhor do que o telefone, eu recorreria a isso.
LS: Mercado de trabalho: o que você vê de perspectiva para o jornalista digital?
Lüdtke: Acho que tem várias especialidades no horizonte, vários caminhos, tem uma multiplicidade de usos desse conhecimento. Seja para fazer um jornalismo convencional, tradicional, ainda que no digital, seja também para trabalhar com comunicação em várias outras áreas e especialidades, como é o caso da especialidade à qual tenho dedicado parte do meu trabalho: a de verificação, de checagem de fatos. Outra, na parte de dados, um campo enorme para se trabalhar. Redes sociais, produção de conteúdo para redes sociais também tem uma diversidade de possibilidades. Novos empreendimentos, novos sites que vão surgindo para trabalhar com públicos específicos, com identificação de públicos de interesse que precisam de informação de boa qualidade. Newsletters transformadas nos novos jornais diários, podcast crescendo bastante no país, comunicação em vídeo. Em termos de mercado de trabalho, é um momento muito bom, e com perspectivas ainda melhores. O jornalismo, em si, está sofrendo uma série de ataques, mas principalmente centrados nas grandes organizações, que acabam tendo uma influência no discurso, no debate político. E vem da política esse ataque muito forte ao jornalismo, é preciso tomar cuidado, se defender, dar uma resposta à sociedade, principalmente para readquirir confiança. A baixa confiança no trabalho do jornalismo é algo que a gente vem observando há mais tempo e serve de munição para quem quer fazer esses ataques. O jornalismo está sob ataque, mas o mercado de trabalho para o jornalista apresenta uma série de possibilidades, uma oferta hoje muito maior. A remuneração é uma questão em aberto, porque é mais difícil. As iniciativas individuais requerem uma capacidade de buscar o financiamento para isso, por meio de assinaturas, publicidade ou outros formatos, há dezenas de formatos possíveis. Talvez, seja uma outra especialidade para o jornalista que queira enveredar por essa área, que é entender de negócios, em que o modelo de negócios tem que incorporar o modelo editorial.
O jornalismo digital – ou webjornalismo, entre outras denominações –, emergiu com a evolução das tecnologias digitais e vem revolucionando igualmente a rotina e as atribuições dos antigos e novos profissionais da área.
Sérgio Lüdtke, diretor da consultoria Interatores.com, editor do Projeto Comprova e membro da equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), cedeu um tempo do seu dia para oferecer uma opinião sobre os desafios para o “fazer jornalístico” no e para o ambiente digital. Sérgio é formado pela PUC-RS, com Master em Gestão de Empresas Jornalísticas pelo ISE Business School e MBA em Marketing Digital pela Fundação Getúlio Vargas.
O jornalista foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Dirigiu o Master em Jornalismo Digital (ISE) e o Programa Avançado em Gestão da Comunicação Digital na Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Dirige a consultoria Interatores.com, é editor do Projeto Comprova e ainda atua na equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Ele traz a sua opinião sobre o jornalismo digital e relata um pouco da sua experiência abordando, em especial, o projeto Comprova, uma das mais importantes iniciativas no combate à desinformação no Brasil, do qual participa ativamente.
LS: A primeira questão, em relação ao webjornalismo, seriam as várias nomenclaturas além desta, tais como: jornalismo online, ciberjornalismo, jornalismo dos meios digitais, jornalismo digital. Qual delas você mais utiliza no dia a dia ou é mais adotada pelo mercado?
Lüdtke: Acho que hoje em dia o que mais se utiliza é jornalismo digital, alguns ainda usam o jornalismo online. O jornalismo digital, acho que de certa forma é um guarda-chuva para muitas outras coisas. A gente trabalha hoje no digital, não tem mais esses quadradinhos para botar, por exemplo, o “jornalismo online”. Tudo é absolutamente online, hoje em dia a gente faz de tudo. Então, penso que o digital é o que melhor define, mas não é uma definição oficial. Estou dando uma posição minha no que eu vejo, no que se refere ao jornalismo que se faz por esses meios, por plataformas, acho que o digital é o que predomina.
LS: Conte um pouco como é a sua rotina de trabalho como jornalista digital, tarefas e funções que fazem parte.
Lüdtke: A minha atividade hoje, de redação, é muito mais ampla, é uma parte que se distingue um pouco do restante do jornalismo digital que é feito. É uma redação que, não só em função da pandemia, mas que antes já era [de modo] muito remoto. O grupo de editores trabalhava presencialmente, no mesmo local, mas todos os outros repórteres estavam remotamente trabalhando em suas redações, porque o Comprova é um projeto colaborativo, formado por várias redações. Esses jornalistas estavam inicialmente em suas redações e depois da pandemia a maior parte deles começou a trabalhar de forma remota. Quanto ao que a gente fazia, que já era a nossa rotina diária, não houve movimentação assim tão grande. É óbvio que essa solidão não é só do jornalista digital, mas também de outros que estão nesse formato remoto, alguns escrevendo para impresso, outros para rádio. Basicamente, a gente tem uma equipe de editores, que se reúne todos os dias, define como vai ser o trabalho e vai se comunicando, durante todo o tempo, pelo grupo do WhastApp. Existem ferramentas melhores para fazer esse trabalho e que ajudam na organização, mas a gente está mais no WhatsApp, por ser o que as pessoas mais usam, estão mais por dentro. Na reunião, fazemos uma verificação de dados, de fatos, nas redes sociais. Temos um grupo de estagiários que ajuda no monitoramento, e então fazemos a escolha do que vamos abrir para verificação. Quando a gente abre para a verificação, diferentemente das outras redações, a gente não chama um jornalista para passar aquele trabalho de investigação. A gente oferece a um jornalista e ele se coloca como voluntário, então temos profissionais de redações diferentes que trabalham de modo colaborativo. Cada um ajuda de uma maneira para fazer a verificação, são sempre investigações a seis ou a oito mãos. Todos esses jornalistas usam um documento que fica disponível na nuvem. Trabalham a partir da pauta que a gente apresenta, fazem a investigação e lançam no documento todo o registro do que fizeram, também propondo a sugestão de texto sobre essa verificação. Para esse mesmo documento, a gente chama os outros pares [veículos] que vão trabalhar na verificação, para fazerem uma revisão mais profunda, além de revisão de texto, de editorial, mas dos dados coletados, se estão de acordo. Depois, o conteúdo é publicado e os veículos que integram o Comprova republicam nos seus próprios canais essa reportagem de investigação. É um trabalho que se distingue daquele de outras redações, pois parte do trabalho é dos editores e outra parte é absolutamente reativa ao que eles [jornalistas] receberam, sem acompanhamento forte dos editores.
LS: Como jornalista, o que você escreve, produz, publica? Como é a rotina de um jornalista digital?
Lüdtke: Publico textos mais analíticos hoje, não escrevo mais matérias diárias, não faço trabalho de reportagem. Trabalho na edição dos textos que a gente publica, mas que são escritos por outros jornalistas, repórteres, atuo hoje mais da revisão de conteúdo. No que diz respeito à rotina no jornalismo digital, o jornalista tende a ser um pouco mais autônomo e normalmente já é o cara que cumpre várias das tarefas. Um jornal, por exemplo, é dividido entre várias pessoas: o repórter te oferece o texto da investigação, que foi pautado por um editor para fazer determinada matéria. O próprio editor pode fazer a reticulação, passar para alguém fazer o fechamento de página, pode ainda modificar. Tem o fotógrafo que vai produzir imagens e enviar para que o editor escolha ou passe para o editor de fotografia, que vai legendar, escolher em que página vai. Quando esse trabalho vai para o digital, muitas vezes é o jornalista que vai escolher o que publicar. Ele acompanha um determinado assunto, vai buscando essas informações de agência ou fazendo contato, algum tipo de entrevista com uma fonte. Conversa, faz o texto, escolhe as imagens que pediu ou recebeu, faz a legenda, usa um sistema que vai dar sugestão de títulos que são mais adequados à otimização por buscadores com palavras-chave, algo muito importante no trabalho de edição. E, provavelmente, vai “vender” para o editor de Home para que ele publique dando mais destaque a esse texto. Em alguns lugares, esse mesmo jornalista é o responsável de levar isso para as redes sociais. A grande diferença do jornalismo digital para o restante, é essa autonomia. Mesmo nas grandes redações ele tem mais autonomia, são várias coisas que estão na mão do repórter, links por exemplo. Links que são de conteúdo complementar, que podem ajudar o leitor que precisa ou quer mais informações. Muitas vezes, o sistema já sugere conteúdos similares, que o site já publicou antes, vídeos que podem ajudar na verificação, até outras produções [do assunto], como podcasts e vídeos da própria publicação. A grande diferença parece ser a autonomia, que é maior no digital do que no analógico.
LS: Tudo isso faz do jornalista digital um profissional multitarefa, na sua opinião?
Lüdtke: É multitarefa. Além de dominar a linguagem, é preciso ter uma cultura visual, vai para a rua com um telefone celular para gravar algo em vídeo. Precisa ter uma cultura de som, porque ao gravar precisa garantir que o som vai ter boa qualidade. Precisa ter uma cultura de texto, que é normal, mas também precisa ter essa visão do todo, um pouco editorial. Então, realmente é um sujeito de quem se espera mais, se exige mais e que precisa ter outras especialidades. Por exemplo, entender de visualização de dados. O jornalismo de dados é importante hoje no digital, temos muitas bases de dados - Lei da Transparência [Lei Capiberibe], Lei de Acesso à Informação [LAI] - que estão disponíveis e que podem contribuir muito, tanto para um jornalista que vai escrever um texto sobre fatos, sobre dados, como para um jornalista que vai fazer uma análise, que exija uma visão desses dados. Como utilizar uma planilha e colocar em um gráfico, para dar uma capacidade melhor de leitura que esses dados estão expressando. Pegar os dados, por exemplo, de vacinação e inserir em um mapa, mostrando as regiões que estão com mais vacinação ou não. Isso vai demonstrando como é importante que a gente tenha uma diversidade maior de conhecimentos, uma capacidade de desempenhar essas tarefas, operar produtos multimídia, ter essas culturas que são complementares. Quanto mais o jornalista consegue ocupar esses espaços, mais completo ele é enquanto profissional.
LS: O ambiente digital tem características que transformaram, de fato, a atividade do jornalista, principalmente questões relativas a hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, instantaneidade, ubiquidade, personalização e memória digital, para citar algumas. Na sua opinião, qual ou quais características mais pressionam o jornalista, sob o ponto de vista da qualidade do que ele produz no digital?
Lüdtke: Vou dividir a minha resposta em dois pontos. Para mim, a questão da instantaneidade – a pressa – é o que mais pressiona. Isto é um problema, porque a gente confunde agilidade com pressa. Tem muitas coisas no jornalismo digital que exige um planejamento prévio para que se possa ter agilidade na entrega. Em tudo o que a gente coloca pressa, essa “agilidade”, a gente corre uma série de riscos, como o de não fazer uma verificação correta, checar várias fontes, de se submeter demais ao “clique”, de lidar com uma informação que é totalmente correta. Depois que solta, a gente não traz de volta. O que eu acho que melhor define o trabalho no digital, entre essas características, além do aspecto multimídia, é a possibilidade de interação, é o único meio que possibilita isso. É possível receber online mais informações, críticas, perguntas, é um aspecto que deveria hoje ser melhor explorado pelo jornalista digital. Essa capacidade de relacionamento, de obtenção tanto de informações como de uma série de trocas, a partir do relacionamento com o público.
LS: Com relação a fontes, você acha que há diferença para o jornalista digital?
Lüdtke: Tem diferença, mesmo o jornalismo digital mudou e vem mudando nesse aspecto. Ele se formou muito em cima de fontes secundárias. Muitos refazendo ou utilizando conteúdos de outros veículos do mesmo grupo, o mesmo grupo tem um site e uma rádio, TV, jornal, os conteúdos são empacotados. A republicação de conteúdos publicados, tudo isso foi um achado ruim para o jornalismo. O jornalismo digital tinha menos peso, tinha dificuldade no acesso às fontes, por não ter marca, por não ter um espaço de exposição tão importante, tão relevante. Agora já se vê um jornalismo mais bem-feito. Ainda há entrevistas por e-mail, o WhatsApp, sem que seja retrucado, o registro sendo feito pelo entrevistado, sem estar cara a cara com ele. Antes, o entrevistado poderia receber uma pergunta pela qual ficaria desconcertado, hoje basta a ele fazer uma busca no Google e apresentar algo como se tivesse dado uma entrevista presencial. É o contato fácil, a pessoa pode responder a qualquer momento, mas se perde boa parte do que se poderia fazer durante um contato presencial. Antes era possível gastar o seu tempo entendendo o contexto, é algo que se perdeu, hoje se busca via internet, via reprodução ou leituras do que outros fizeram. Não tem o ambiente para você reportar, como é que a pessoa te recebeu, se ela foi interrompida por alguma coisa, se ela estava dando ênfase para determinado tema, se estava constrangida com alguma coisa.
LS: O que o jornalista poderia fazer para não cair nessa rotina e aumentar a qualidade do trabalho com fontes?
Lüdtke: Acho que é meio um caminho sem volta, mas usar recursos melhores, uma videochamada, quando é possível capturar um pouco mais de reações, de comportamento, é sempre melhor. A entrevista por e-mail facilita para todo mundo: para o entrevistado, para o jornalista, que pode trabalhar em outra pauta. Porém, uma coisa que o digital oferece é estimular melhor o contato pessoal, é melhor do que o telefone, eu recorreria a isso.
LS: Mercado de trabalho: o que você vê de perspectiva para o jornalista digital?
Lüdtke: Acho que tem várias especialidades no horizonte, vários caminhos, tem uma multiplicidade de usos desse conhecimento. Seja para fazer um jornalismo convencional, tradicional, ainda que no digital, seja também para trabalhar com comunicação em várias outras áreas e especialidades, como é o caso da especialidade à qual tenho dedicado parte do meu trabalho: a de verificação, de checagem de fatos. Outra, na parte de dados, um campo enorme para se trabalhar. Redes sociais, produção de conteúdo para redes sociais também tem uma diversidade de possibilidades. Novos empreendimentos, novos sites que vão surgindo para trabalhar com públicos específicos, com identificação de públicos de interesse que precisam de informação de boa qualidade. Newsletters transformadas nos novos jornais diários, podcast crescendo bastante no país, comunicação em vídeo. Em termos de mercado de trabalho, é um momento muito bom, e com perspectivas ainda melhores. O jornalismo, em si, está sofrendo uma série de ataques, mas principalmente centrados nas grandes organizações, que acabam tendo uma influência no discurso, no debate político. E vem da política esse ataque muito forte ao jornalismo, é preciso tomar cuidado, se defender, dar uma resposta à sociedade, principalmente para readquirir confiança. A baixa confiança no trabalho do jornalismo é algo que a gente vem observando há mais tempo e serve de munição para quem quer fazer esses ataques. O jornalismo está sob ataque, mas o mercado de trabalho para o jornalista apresenta uma série de possibilidades, uma oferta hoje muito maior. A remuneração é uma questão em aberto, porque é mais difícil. As iniciativas individuais requerem uma capacidade de buscar o financiamento para isso, por meio de assinaturas, publicidade ou outros formatos, há dezenas de formatos possíveis. Talvez, seja uma outra especialidade para o jornalista que queira enveredar por essa área, que é entender de negócios, em que o modelo de negócios tem que incorporar o modelo editorial.
O jornalismo digital – ou webjornalismo, entre outras denominações –, emergiu com a evolução das tecnologias digitais e vem revolucionando igualmente a rotina e as atribuições dos antigos e novos profissionais da área.
Sérgio Lüdtke, diretor da consultoria Interatores.com, editor do Projeto Comprova e membro da equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), cedeu um tempo do seu dia para oferecer uma opinião sobre os desafios para o “fazer jornalístico” no e para o ambiente digital. Sérgio é formado pela PUC-RS, com Master em Gestão de Empresas Jornalísticas pelo ISE Business School e MBA em Marketing Digital pela Fundação Getúlio Vargas.
O jornalista foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Dirigiu o Master em Jornalismo Digital (ISE) e o Programa Avançado em Gestão da Comunicação Digital na Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Dirige a consultoria Interatores.com, é editor do Projeto Comprova e ainda atua na equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Ele traz a sua opinião sobre o jornalismo digital e relata um pouco da sua experiência abordando, em especial, o projeto Comprova, uma das mais importantes iniciativas no combate à desinformação no Brasil, do qual participa ativamente.
LS: A primeira questão, em relação ao webjornalismo, seriam as várias nomenclaturas além desta, tais como: jornalismo online, ciberjornalismo, jornalismo dos meios digitais, jornalismo digital. Qual delas você mais utiliza no dia a dia ou é mais adotada pelo mercado?
Lüdtke: Acho que hoje em dia o que mais se utiliza é jornalismo digital, alguns ainda usam o jornalismo online. O jornalismo digital, acho que de certa forma é um guarda-chuva para muitas outras coisas. A gente trabalha hoje no digital, não tem mais esses quadradinhos para botar, por exemplo, o “jornalismo online”. Tudo é absolutamente online, hoje em dia a gente faz de tudo. Então, penso que o digital é o que melhor define, mas não é uma definição oficial. Estou dando uma posição minha no que eu vejo, no que se refere ao jornalismo que se faz por esses meios, por plataformas, acho que o digital é o que predomina.
LS: Conte um pouco como é a sua rotina de trabalho como jornalista digital, tarefas e funções que fazem parte.
Lüdtke: A minha atividade hoje, de redação, é muito mais ampla, é uma parte que se distingue um pouco do restante do jornalismo digital que é feito. É uma redação que, não só em função da pandemia, mas que antes já era [de modo] muito remoto. O grupo de editores trabalhava presencialmente, no mesmo local, mas todos os outros repórteres estavam remotamente trabalhando em suas redações, porque o Comprova é um projeto colaborativo, formado por várias redações. Esses jornalistas estavam inicialmente em suas redações e depois da pandemia a maior parte deles começou a trabalhar de forma remota. Quanto ao que a gente fazia, que já era a nossa rotina diária, não houve movimentação assim tão grande. É óbvio que essa solidão não é só do jornalista digital, mas também de outros que estão nesse formato remoto, alguns escrevendo para impresso, outros para rádio. Basicamente, a gente tem uma equipe de editores, que se reúne todos os dias, define como vai ser o trabalho e vai se comunicando, durante todo o tempo, pelo grupo do WhastApp. Existem ferramentas melhores para fazer esse trabalho e que ajudam na organização, mas a gente está mais no WhatsApp, por ser o que as pessoas mais usam, estão mais por dentro. Na reunião, fazemos uma verificação de dados, de fatos, nas redes sociais. Temos um grupo de estagiários que ajuda no monitoramento, e então fazemos a escolha do que vamos abrir para verificação. Quando a gente abre para a verificação, diferentemente das outras redações, a gente não chama um jornalista para passar aquele trabalho de investigação. A gente oferece a um jornalista e ele se coloca como voluntário, então temos profissionais de redações diferentes que trabalham de modo colaborativo. Cada um ajuda de uma maneira para fazer a verificação, são sempre investigações a seis ou a oito mãos. Todos esses jornalistas usam um documento que fica disponível na nuvem. Trabalham a partir da pauta que a gente apresenta, fazem a investigação e lançam no documento todo o registro do que fizeram, também propondo a sugestão de texto sobre essa verificação. Para esse mesmo documento, a gente chama os outros pares [veículos] que vão trabalhar na verificação, para fazerem uma revisão mais profunda, além de revisão de texto, de editorial, mas dos dados coletados, se estão de acordo. Depois, o conteúdo é publicado e os veículos que integram o Comprova republicam nos seus próprios canais essa reportagem de investigação. É um trabalho que se distingue daquele de outras redações, pois parte do trabalho é dos editores e outra parte é absolutamente reativa ao que eles [jornalistas] receberam, sem acompanhamento forte dos editores.
LS: Como jornalista, o que você escreve, produz, publica? Como é a rotina de um jornalista digital?
Lüdtke: Publico textos mais analíticos hoje, não escrevo mais matérias diárias, não faço trabalho de reportagem. Trabalho na edição dos textos que a gente publica, mas que são escritos por outros jornalistas, repórteres, atuo hoje mais da revisão de conteúdo. No que diz respeito à rotina no jornalismo digital, o jornalista tende a ser um pouco mais autônomo e normalmente já é o cara que cumpre várias das tarefas. Um jornal, por exemplo, é dividido entre várias pessoas: o repórter te oferece o texto da investigação, que foi pautado por um editor para fazer determinada matéria. O próprio editor pode fazer a reticulação, passar para alguém fazer o fechamento de página, pode ainda modificar. Tem o fotógrafo que vai produzir imagens e enviar para que o editor escolha ou passe para o editor de fotografia, que vai legendar, escolher em que página vai. Quando esse trabalho vai para o digital, muitas vezes é o jornalista que vai escolher o que publicar. Ele acompanha um determinado assunto, vai buscando essas informações de agência ou fazendo contato, algum tipo de entrevista com uma fonte. Conversa, faz o texto, escolhe as imagens que pediu ou recebeu, faz a legenda, usa um sistema que vai dar sugestão de títulos que são mais adequados à otimização por buscadores com palavras-chave, algo muito importante no trabalho de edição. E, provavelmente, vai “vender” para o editor de Home para que ele publique dando mais destaque a esse texto. Em alguns lugares, esse mesmo jornalista é o responsável de levar isso para as redes sociais. A grande diferença do jornalismo digital para o restante, é essa autonomia. Mesmo nas grandes redações ele tem mais autonomia, são várias coisas que estão na mão do repórter, links por exemplo. Links que são de conteúdo complementar, que podem ajudar o leitor que precisa ou quer mais informações. Muitas vezes, o sistema já sugere conteúdos similares, que o site já publicou antes, vídeos que podem ajudar na verificação, até outras produções [do assunto], como podcasts e vídeos da própria publicação. A grande diferença parece ser a autonomia, que é maior no digital do que no analógico.
LS: Tudo isso faz do jornalista digital um profissional multitarefa, na sua opinião?
Lüdtke: É multitarefa. Além de dominar a linguagem, é preciso ter uma cultura visual, vai para a rua com um telefone celular para gravar algo em vídeo. Precisa ter uma cultura de som, porque ao gravar precisa garantir que o som vai ter boa qualidade. Precisa ter uma cultura de texto, que é normal, mas também precisa ter essa visão do todo, um pouco editorial. Então, realmente é um sujeito de quem se espera mais, se exige mais e que precisa ter outras especialidades. Por exemplo, entender de visualização de dados. O jornalismo de dados é importante hoje no digital, temos muitas bases de dados - Lei da Transparência [Lei Capiberibe], Lei de Acesso à Informação [LAI] - que estão disponíveis e que podem contribuir muito, tanto para um jornalista que vai escrever um texto sobre fatos, sobre dados, como para um jornalista que vai fazer uma análise, que exija uma visão desses dados. Como utilizar uma planilha e colocar em um gráfico, para dar uma capacidade melhor de leitura que esses dados estão expressando. Pegar os dados, por exemplo, de vacinação e inserir em um mapa, mostrando as regiões que estão com mais vacinação ou não. Isso vai demonstrando como é importante que a gente tenha uma diversidade maior de conhecimentos, uma capacidade de desempenhar essas tarefas, operar produtos multimídia, ter essas culturas que são complementares. Quanto mais o jornalista consegue ocupar esses espaços, mais completo ele é enquanto profissional.
LS: O ambiente digital tem características que transformaram, de fato, a atividade do jornalista, principalmente questões relativas a hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, instantaneidade, ubiquidade, personalização e memória digital, para citar algumas. Na sua opinião, qual ou quais características mais pressionam o jornalista, sob o ponto de vista da qualidade do que ele produz no digital?
Lüdtke: Vou dividir a minha resposta em dois pontos. Para mim, a questão da instantaneidade – a pressa – é o que mais pressiona. Isto é um problema, porque a gente confunde agilidade com pressa. Tem muitas coisas no jornalismo digital que exige um planejamento prévio para que se possa ter agilidade na entrega. Em tudo o que a gente coloca pressa, essa “agilidade”, a gente corre uma série de riscos, como o de não fazer uma verificação correta, checar várias fontes, de se submeter demais ao “clique”, de lidar com uma informação que é totalmente correta. Depois que solta, a gente não traz de volta. O que eu acho que melhor define o trabalho no digital, entre essas características, além do aspecto multimídia, é a possibilidade de interação, é o único meio que possibilita isso. É possível receber online mais informações, críticas, perguntas, é um aspecto que deveria hoje ser melhor explorado pelo jornalista digital. Essa capacidade de relacionamento, de obtenção tanto de informações como de uma série de trocas, a partir do relacionamento com o público.
LS: Com relação a fontes, você acha que há diferença para o jornalista digital?
Lüdtke: Tem diferença, mesmo o jornalismo digital mudou e vem mudando nesse aspecto. Ele se formou muito em cima de fontes secundárias. Muitos refazendo ou utilizando conteúdos de outros veículos do mesmo grupo, o mesmo grupo tem um site e uma rádio, TV, jornal, os conteúdos são empacotados. A republicação de conteúdos publicados, tudo isso foi um achado ruim para o jornalismo. O jornalismo digital tinha menos peso, tinha dificuldade no acesso às fontes, por não ter marca, por não ter um espaço de exposição tão importante, tão relevante. Agora já se vê um jornalismo mais bem-feito. Ainda há entrevistas por e-mail, o WhatsApp, sem que seja retrucado, o registro sendo feito pelo entrevistado, sem estar cara a cara com ele. Antes, o entrevistado poderia receber uma pergunta pela qual ficaria desconcertado, hoje basta a ele fazer uma busca no Google e apresentar algo como se tivesse dado uma entrevista presencial. É o contato fácil, a pessoa pode responder a qualquer momento, mas se perde boa parte do que se poderia fazer durante um contato presencial. Antes era possível gastar o seu tempo entendendo o contexto, é algo que se perdeu, hoje se busca via internet, via reprodução ou leituras do que outros fizeram. Não tem o ambiente para você reportar, como é que a pessoa te recebeu, se ela foi interrompida por alguma coisa, se ela estava dando ênfase para determinado tema, se estava constrangida com alguma coisa.
LS: O que o jornalista poderia fazer para não cair nessa rotina e aumentar a qualidade do trabalho com fontes?
Lüdtke: Acho que é meio um caminho sem volta, mas usar recursos melhores, uma videochamada, quando é possível capturar um pouco mais de reações, de comportamento, é sempre melhor. A entrevista por e-mail facilita para todo mundo: para o entrevistado, para o jornalista, que pode trabalhar em outra pauta. Porém, uma coisa que o digital oferece é estimular melhor o contato pessoal, é melhor do que o telefone, eu recorreria a isso.
LS: Mercado de trabalho: o que você vê de perspectiva para o jornalista digital?
Lüdtke: Acho que tem várias especialidades no horizonte, vários caminhos, tem uma multiplicidade de usos desse conhecimento. Seja para fazer um jornalismo convencional, tradicional, ainda que no digital, seja também para trabalhar com comunicação em várias outras áreas e especialidades, como é o caso da especialidade à qual tenho dedicado parte do meu trabalho: a de verificação, de checagem de fatos. Outra, na parte de dados, um campo enorme para se trabalhar. Redes sociais, produção de conteúdo para redes sociais também tem uma diversidade de possibilidades. Novos empreendimentos, novos sites que vão surgindo para trabalhar com públicos específicos, com identificação de públicos de interesse que precisam de informação de boa qualidade. Newsletters transformadas nos novos jornais diários, podcast crescendo bastante no país, comunicação em vídeo. Em termos de mercado de trabalho, é um momento muito bom, e com perspectivas ainda melhores. O jornalismo, em si, está sofrendo uma série de ataques, mas principalmente centrados nas grandes organizações, que acabam tendo uma influência no discurso, no debate político. E vem da política esse ataque muito forte ao jornalismo, é preciso tomar cuidado, se defender, dar uma resposta à sociedade, principalmente para readquirir confiança. A baixa confiança no trabalho do jornalismo é algo que a gente vem observando há mais tempo e serve de munição para quem quer fazer esses ataques. O jornalismo está sob ataque, mas o mercado de trabalho para o jornalista apresenta uma série de possibilidades, uma oferta hoje muito maior. A remuneração é uma questão em aberto, porque é mais difícil. As iniciativas individuais requerem uma capacidade de buscar o financiamento para isso, por meio de assinaturas, publicidade ou outros formatos, há dezenas de formatos possíveis. Talvez, seja uma outra especialidade para o jornalista que queira enveredar por essa área, que é entender de negócios, em que o modelo de negócios tem que incorporar o modelo editorial.
O jornalismo digital – ou webjornalismo, entre outras denominações –, emergiu com a evolução das tecnologias digitais e vem revolucionando igualmente a rotina e as atribuições dos antigos e novos profissionais da área.
Sérgio Lüdtke, diretor da consultoria Interatores.com, editor do Projeto Comprova e membro da equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), cedeu um tempo do seu dia para oferecer uma opinião sobre os desafios para o “fazer jornalístico” no e para o ambiente digital. Sérgio é formado pela PUC-RS, com Master em Gestão de Empresas Jornalísticas pelo ISE Business School e MBA em Marketing Digital pela Fundação Getúlio Vargas.
O jornalista foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Dirigiu o Master em Jornalismo Digital (ISE) e o Programa Avançado em Gestão da Comunicação Digital na Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Dirige a consultoria Interatores.com, é editor do Projeto Comprova e ainda atua na equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Ele traz a sua opinião sobre o jornalismo digital e relata um pouco da sua experiência abordando, em especial, o projeto Comprova, uma das mais importantes iniciativas no combate à desinformação no Brasil, do qual participa ativamente.
LS: A primeira questão, em relação ao webjornalismo, seriam as várias nomenclaturas além desta, tais como: jornalismo online, ciberjornalismo, jornalismo dos meios digitais, jornalismo digital. Qual delas você mais utiliza no dia a dia ou é mais adotada pelo mercado?
Lüdtke: Acho que hoje em dia o que mais se utiliza é jornalismo digital, alguns ainda usam o jornalismo online. O jornalismo digital, acho que de certa forma é um guarda-chuva para muitas outras coisas. A gente trabalha hoje no digital, não tem mais esses quadradinhos para botar, por exemplo, o “jornalismo online”. Tudo é absolutamente online, hoje em dia a gente faz de tudo. Então, penso que o digital é o que melhor define, mas não é uma definição oficial. Estou dando uma posição minha no que eu vejo, no que se refere ao jornalismo que se faz por esses meios, por plataformas, acho que o digital é o que predomina.
LS: Conte um pouco como é a sua rotina de trabalho como jornalista digital, tarefas e funções que fazem parte.
Lüdtke: A minha atividade hoje, de redação, é muito mais ampla, é uma parte que se distingue um pouco do restante do jornalismo digital que é feito. É uma redação que, não só em função da pandemia, mas que antes já era [de modo] muito remoto. O grupo de editores trabalhava presencialmente, no mesmo local, mas todos os outros repórteres estavam remotamente trabalhando em suas redações, porque o Comprova é um projeto colaborativo, formado por várias redações. Esses jornalistas estavam inicialmente em suas redações e depois da pandemia a maior parte deles começou a trabalhar de forma remota. Quanto ao que a gente fazia, que já era a nossa rotina diária, não houve movimentação assim tão grande. É óbvio que essa solidão não é só do jornalista digital, mas também de outros que estão nesse formato remoto, alguns escrevendo para impresso, outros para rádio. Basicamente, a gente tem uma equipe de editores, que se reúne todos os dias, define como vai ser o trabalho e vai se comunicando, durante todo o tempo, pelo grupo do WhastApp. Existem ferramentas melhores para fazer esse trabalho e que ajudam na organização, mas a gente está mais no WhatsApp, por ser o que as pessoas mais usam, estão mais por dentro. Na reunião, fazemos uma verificação de dados, de fatos, nas redes sociais. Temos um grupo de estagiários que ajuda no monitoramento, e então fazemos a escolha do que vamos abrir para verificação. Quando a gente abre para a verificação, diferentemente das outras redações, a gente não chama um jornalista para passar aquele trabalho de investigação. A gente oferece a um jornalista e ele se coloca como voluntário, então temos profissionais de redações diferentes que trabalham de modo colaborativo. Cada um ajuda de uma maneira para fazer a verificação, são sempre investigações a seis ou a oito mãos. Todos esses jornalistas usam um documento que fica disponível na nuvem. Trabalham a partir da pauta que a gente apresenta, fazem a investigação e lançam no documento todo o registro do que fizeram, também propondo a sugestão de texto sobre essa verificação. Para esse mesmo documento, a gente chama os outros pares [veículos] que vão trabalhar na verificação, para fazerem uma revisão mais profunda, além de revisão de texto, de editorial, mas dos dados coletados, se estão de acordo. Depois, o conteúdo é publicado e os veículos que integram o Comprova republicam nos seus próprios canais essa reportagem de investigação. É um trabalho que se distingue daquele de outras redações, pois parte do trabalho é dos editores e outra parte é absolutamente reativa ao que eles [jornalistas] receberam, sem acompanhamento forte dos editores.
LS: Como jornalista, o que você escreve, produz, publica? Como é a rotina de um jornalista digital?
Lüdtke: Publico textos mais analíticos hoje, não escrevo mais matérias diárias, não faço trabalho de reportagem. Trabalho na edição dos textos que a gente publica, mas que são escritos por outros jornalistas, repórteres, atuo hoje mais da revisão de conteúdo. No que diz respeito à rotina no jornalismo digital, o jornalista tende a ser um pouco mais autônomo e normalmente já é o cara que cumpre várias das tarefas. Um jornal, por exemplo, é dividido entre várias pessoas: o repórter te oferece o texto da investigação, que foi pautado por um editor para fazer determinada matéria. O próprio editor pode fazer a reticulação, passar para alguém fazer o fechamento de página, pode ainda modificar. Tem o fotógrafo que vai produzir imagens e enviar para que o editor escolha ou passe para o editor de fotografia, que vai legendar, escolher em que página vai. Quando esse trabalho vai para o digital, muitas vezes é o jornalista que vai escolher o que publicar. Ele acompanha um determinado assunto, vai buscando essas informações de agência ou fazendo contato, algum tipo de entrevista com uma fonte. Conversa, faz o texto, escolhe as imagens que pediu ou recebeu, faz a legenda, usa um sistema que vai dar sugestão de títulos que são mais adequados à otimização por buscadores com palavras-chave, algo muito importante no trabalho de edição. E, provavelmente, vai “vender” para o editor de Home para que ele publique dando mais destaque a esse texto. Em alguns lugares, esse mesmo jornalista é o responsável de levar isso para as redes sociais. A grande diferença do jornalismo digital para o restante, é essa autonomia. Mesmo nas grandes redações ele tem mais autonomia, são várias coisas que estão na mão do repórter, links por exemplo. Links que são de conteúdo complementar, que podem ajudar o leitor que precisa ou quer mais informações. Muitas vezes, o sistema já sugere conteúdos similares, que o site já publicou antes, vídeos que podem ajudar na verificação, até outras produções [do assunto], como podcasts e vídeos da própria publicação. A grande diferença parece ser a autonomia, que é maior no digital do que no analógico.
LS: Tudo isso faz do jornalista digital um profissional multitarefa, na sua opinião?
Lüdtke: É multitarefa. Além de dominar a linguagem, é preciso ter uma cultura visual, vai para a rua com um telefone celular para gravar algo em vídeo. Precisa ter uma cultura de som, porque ao gravar precisa garantir que o som vai ter boa qualidade. Precisa ter uma cultura de texto, que é normal, mas também precisa ter essa visão do todo, um pouco editorial. Então, realmente é um sujeito de quem se espera mais, se exige mais e que precisa ter outras especialidades. Por exemplo, entender de visualização de dados. O jornalismo de dados é importante hoje no digital, temos muitas bases de dados - Lei da Transparência [Lei Capiberibe], Lei de Acesso à Informação [LAI] - que estão disponíveis e que podem contribuir muito, tanto para um jornalista que vai escrever um texto sobre fatos, sobre dados, como para um jornalista que vai fazer uma análise, que exija uma visão desses dados. Como utilizar uma planilha e colocar em um gráfico, para dar uma capacidade melhor de leitura que esses dados estão expressando. Pegar os dados, por exemplo, de vacinação e inserir em um mapa, mostrando as regiões que estão com mais vacinação ou não. Isso vai demonstrando como é importante que a gente tenha uma diversidade maior de conhecimentos, uma capacidade de desempenhar essas tarefas, operar produtos multimídia, ter essas culturas que são complementares. Quanto mais o jornalista consegue ocupar esses espaços, mais completo ele é enquanto profissional.
LS: O ambiente digital tem características que transformaram, de fato, a atividade do jornalista, principalmente questões relativas a hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, instantaneidade, ubiquidade, personalização e memória digital, para citar algumas. Na sua opinião, qual ou quais características mais pressionam o jornalista, sob o ponto de vista da qualidade do que ele produz no digital?
Lüdtke: Vou dividir a minha resposta em dois pontos. Para mim, a questão da instantaneidade – a pressa – é o que mais pressiona. Isto é um problema, porque a gente confunde agilidade com pressa. Tem muitas coisas no jornalismo digital que exige um planejamento prévio para que se possa ter agilidade na entrega. Em tudo o que a gente coloca pressa, essa “agilidade”, a gente corre uma série de riscos, como o de não fazer uma verificação correta, checar várias fontes, de se submeter demais ao “clique”, de lidar com uma informação que é totalmente correta. Depois que solta, a gente não traz de volta. O que eu acho que melhor define o trabalho no digital, entre essas características, além do aspecto multimídia, é a possibilidade de interação, é o único meio que possibilita isso. É possível receber online mais informações, críticas, perguntas, é um aspecto que deveria hoje ser melhor explorado pelo jornalista digital. Essa capacidade de relacionamento, de obtenção tanto de informações como de uma série de trocas, a partir do relacionamento com o público.
LS: Com relação a fontes, você acha que há diferença para o jornalista digital?
Lüdtke: Tem diferença, mesmo o jornalismo digital mudou e vem mudando nesse aspecto. Ele se formou muito em cima de fontes secundárias. Muitos refazendo ou utilizando conteúdos de outros veículos do mesmo grupo, o mesmo grupo tem um site e uma rádio, TV, jornal, os conteúdos são empacotados. A republicação de conteúdos publicados, tudo isso foi um achado ruim para o jornalismo. O jornalismo digital tinha menos peso, tinha dificuldade no acesso às fontes, por não ter marca, por não ter um espaço de exposição tão importante, tão relevante. Agora já se vê um jornalismo mais bem-feito. Ainda há entrevistas por e-mail, o WhatsApp, sem que seja retrucado, o registro sendo feito pelo entrevistado, sem estar cara a cara com ele. Antes, o entrevistado poderia receber uma pergunta pela qual ficaria desconcertado, hoje basta a ele fazer uma busca no Google e apresentar algo como se tivesse dado uma entrevista presencial. É o contato fácil, a pessoa pode responder a qualquer momento, mas se perde boa parte do que se poderia fazer durante um contato presencial. Antes era possível gastar o seu tempo entendendo o contexto, é algo que se perdeu, hoje se busca via internet, via reprodução ou leituras do que outros fizeram. Não tem o ambiente para você reportar, como é que a pessoa te recebeu, se ela foi interrompida por alguma coisa, se ela estava dando ênfase para determinado tema, se estava constrangida com alguma coisa.
LS: O que o jornalista poderia fazer para não cair nessa rotina e aumentar a qualidade do trabalho com fontes?
Lüdtke: Acho que é meio um caminho sem volta, mas usar recursos melhores, uma videochamada, quando é possível capturar um pouco mais de reações, de comportamento, é sempre melhor. A entrevista por e-mail facilita para todo mundo: para o entrevistado, para o jornalista, que pode trabalhar em outra pauta. Porém, uma coisa que o digital oferece é estimular melhor o contato pessoal, é melhor do que o telefone, eu recorreria a isso.
LS: Mercado de trabalho: o que você vê de perspectiva para o jornalista digital?
Lüdtke: Acho que tem várias especialidades no horizonte, vários caminhos, tem uma multiplicidade de usos desse conhecimento. Seja para fazer um jornalismo convencional, tradicional, ainda que no digital, seja também para trabalhar com comunicação em várias outras áreas e especialidades, como é o caso da especialidade à qual tenho dedicado parte do meu trabalho: a de verificação, de checagem de fatos. Outra, na parte de dados, um campo enorme para se trabalhar. Redes sociais, produção de conteúdo para redes sociais também tem uma diversidade de possibilidades. Novos empreendimentos, novos sites que vão surgindo para trabalhar com públicos específicos, com identificação de públicos de interesse que precisam de informação de boa qualidade. Newsletters transformadas nos novos jornais diários, podcast crescendo bastante no país, comunicação em vídeo. Em termos de mercado de trabalho, é um momento muito bom, e com perspectivas ainda melhores. O jornalismo, em si, está sofrendo uma série de ataques, mas principalmente centrados nas grandes organizações, que acabam tendo uma influência no discurso, no debate político. E vem da política esse ataque muito forte ao jornalismo, é preciso tomar cuidado, se defender, dar uma resposta à sociedade, principalmente para readquirir confiança. A baixa confiança no trabalho do jornalismo é algo que a gente vem observando há mais tempo e serve de munição para quem quer fazer esses ataques. O jornalismo está sob ataque, mas o mercado de trabalho para o jornalista apresenta uma série de possibilidades, uma oferta hoje muito maior. A remuneração é uma questão em aberto, porque é mais difícil. As iniciativas individuais requerem uma capacidade de buscar o financiamento para isso, por meio de assinaturas, publicidade ou outros formatos, há dezenas de formatos possíveis. Talvez, seja uma outra especialidade para o jornalista que queira enveredar por essa área, que é entender de negócios, em que o modelo de negócios tem que incorporar o modelo editorial.
O jornalismo digital – ou webjornalismo, entre outras denominações –, emergiu com a evolução das tecnologias digitais e vem revolucionando igualmente a rotina e as atribuições dos antigos e novos profissionais da área.
Sérgio Lüdtke, diretor da consultoria Interatores.com, editor do Projeto Comprova e membro da equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), cedeu um tempo do seu dia para oferecer uma opinião sobre os desafios para o “fazer jornalístico” no e para o ambiente digital. Sérgio é formado pela PUC-RS, com Master em Gestão de Empresas Jornalísticas pelo ISE Business School e MBA em Marketing Digital pela Fundação Getúlio Vargas.
O jornalista foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Dirigiu o Master em Jornalismo Digital (ISE) e o Programa Avançado em Gestão da Comunicação Digital na Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Dirige a consultoria Interatores.com, é editor do Projeto Comprova e ainda atua na equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Ele traz a sua opinião sobre o jornalismo digital e relata um pouco da sua experiência abordando, em especial, o projeto Comprova, uma das mais importantes iniciativas no combate à desinformação no Brasil, do qual participa ativamente.
LS: A primeira questão, em relação ao webjornalismo, seriam as várias nomenclaturas além desta, tais como: jornalismo online, ciberjornalismo, jornalismo dos meios digitais, jornalismo digital. Qual delas você mais utiliza no dia a dia ou é mais adotada pelo mercado?
Lüdtke: Acho que hoje em dia o que mais se utiliza é jornalismo digital, alguns ainda usam o jornalismo online. O jornalismo digital, acho que de certa forma é um guarda-chuva para muitas outras coisas. A gente trabalha hoje no digital, não tem mais esses quadradinhos para botar, por exemplo, o “jornalismo online”. Tudo é absolutamente online, hoje em dia a gente faz de tudo. Então, penso que o digital é o que melhor define, mas não é uma definição oficial. Estou dando uma posição minha no que eu vejo, no que se refere ao jornalismo que se faz por esses meios, por plataformas, acho que o digital é o que predomina.
LS: Conte um pouco como é a sua rotina de trabalho como jornalista digital, tarefas e funções que fazem parte.
Lüdtke: A minha atividade hoje, de redação, é muito mais ampla, é uma parte que se distingue um pouco do restante do jornalismo digital que é feito. É uma redação que, não só em função da pandemia, mas que antes já era [de modo] muito remoto. O grupo de editores trabalhava presencialmente, no mesmo local, mas todos os outros repórteres estavam remotamente trabalhando em suas redações, porque o Comprova é um projeto colaborativo, formado por várias redações. Esses jornalistas estavam inicialmente em suas redações e depois da pandemia a maior parte deles começou a trabalhar de forma remota. Quanto ao que a gente fazia, que já era a nossa rotina diária, não houve movimentação assim tão grande. É óbvio que essa solidão não é só do jornalista digital, mas também de outros que estão nesse formato remoto, alguns escrevendo para impresso, outros para rádio. Basicamente, a gente tem uma equipe de editores, que se reúne todos os dias, define como vai ser o trabalho e vai se comunicando, durante todo o tempo, pelo grupo do WhastApp. Existem ferramentas melhores para fazer esse trabalho e que ajudam na organização, mas a gente está mais no WhatsApp, por ser o que as pessoas mais usam, estão mais por dentro. Na reunião, fazemos uma verificação de dados, de fatos, nas redes sociais. Temos um grupo de estagiários que ajuda no monitoramento, e então fazemos a escolha do que vamos abrir para verificação. Quando a gente abre para a verificação, diferentemente das outras redações, a gente não chama um jornalista para passar aquele trabalho de investigação. A gente oferece a um jornalista e ele se coloca como voluntário, então temos profissionais de redações diferentes que trabalham de modo colaborativo. Cada um ajuda de uma maneira para fazer a verificação, são sempre investigações a seis ou a oito mãos. Todos esses jornalistas usam um documento que fica disponível na nuvem. Trabalham a partir da pauta que a gente apresenta, fazem a investigação e lançam no documento todo o registro do que fizeram, também propondo a sugestão de texto sobre essa verificação. Para esse mesmo documento, a gente chama os outros pares [veículos] que vão trabalhar na verificação, para fazerem uma revisão mais profunda, além de revisão de texto, de editorial, mas dos dados coletados, se estão de acordo. Depois, o conteúdo é publicado e os veículos que integram o Comprova republicam nos seus próprios canais essa reportagem de investigação. É um trabalho que se distingue daquele de outras redações, pois parte do trabalho é dos editores e outra parte é absolutamente reativa ao que eles [jornalistas] receberam, sem acompanhamento forte dos editores.
LS: Como jornalista, o que você escreve, produz, publica? Como é a rotina de um jornalista digital?
Lüdtke: Publico textos mais analíticos hoje, não escrevo mais matérias diárias, não faço trabalho de reportagem. Trabalho na edição dos textos que a gente publica, mas que são escritos por outros jornalistas, repórteres, atuo hoje mais da revisão de conteúdo. No que diz respeito à rotina no jornalismo digital, o jornalista tende a ser um pouco mais autônomo e normalmente já é o cara que cumpre várias das tarefas. Um jornal, por exemplo, é dividido entre várias pessoas: o repórter te oferece o texto da investigação, que foi pautado por um editor para fazer determinada matéria. O próprio editor pode fazer a reticulação, passar para alguém fazer o fechamento de página, pode ainda modificar. Tem o fotógrafo que vai produzir imagens e enviar para que o editor escolha ou passe para o editor de fotografia, que vai legendar, escolher em que página vai. Quando esse trabalho vai para o digital, muitas vezes é o jornalista que vai escolher o que publicar. Ele acompanha um determinado assunto, vai buscando essas informações de agência ou fazendo contato, algum tipo de entrevista com uma fonte. Conversa, faz o texto, escolhe as imagens que pediu ou recebeu, faz a legenda, usa um sistema que vai dar sugestão de títulos que são mais adequados à otimização por buscadores com palavras-chave, algo muito importante no trabalho de edição. E, provavelmente, vai “vender” para o editor de Home para que ele publique dando mais destaque a esse texto. Em alguns lugares, esse mesmo jornalista é o responsável de levar isso para as redes sociais. A grande diferença do jornalismo digital para o restante, é essa autonomia. Mesmo nas grandes redações ele tem mais autonomia, são várias coisas que estão na mão do repórter, links por exemplo. Links que são de conteúdo complementar, que podem ajudar o leitor que precisa ou quer mais informações. Muitas vezes, o sistema já sugere conteúdos similares, que o site já publicou antes, vídeos que podem ajudar na verificação, até outras produções [do assunto], como podcasts e vídeos da própria publicação. A grande diferença parece ser a autonomia, que é maior no digital do que no analógico.
LS: Tudo isso faz do jornalista digital um profissional multitarefa, na sua opinião?
Lüdtke: É multitarefa. Além de dominar a linguagem, é preciso ter uma cultura visual, vai para a rua com um telefone celular para gravar algo em vídeo. Precisa ter uma cultura de som, porque ao gravar precisa garantir que o som vai ter boa qualidade. Precisa ter uma cultura de texto, que é normal, mas também precisa ter essa visão do todo, um pouco editorial. Então, realmente é um sujeito de quem se espera mais, se exige mais e que precisa ter outras especialidades. Por exemplo, entender de visualização de dados. O jornalismo de dados é importante hoje no digital, temos muitas bases de dados - Lei da Transparência [Lei Capiberibe], Lei de Acesso à Informação [LAI] - que estão disponíveis e que podem contribuir muito, tanto para um jornalista que vai escrever um texto sobre fatos, sobre dados, como para um jornalista que vai fazer uma análise, que exija uma visão desses dados. Como utilizar uma planilha e colocar em um gráfico, para dar uma capacidade melhor de leitura que esses dados estão expressando. Pegar os dados, por exemplo, de vacinação e inserir em um mapa, mostrando as regiões que estão com mais vacinação ou não. Isso vai demonstrando como é importante que a gente tenha uma diversidade maior de conhecimentos, uma capacidade de desempenhar essas tarefas, operar produtos multimídia, ter essas culturas que são complementares. Quanto mais o jornalista consegue ocupar esses espaços, mais completo ele é enquanto profissional.
LS: O ambiente digital tem características que transformaram, de fato, a atividade do jornalista, principalmente questões relativas a hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, instantaneidade, ubiquidade, personalização e memória digital, para citar algumas. Na sua opinião, qual ou quais características mais pressionam o jornalista, sob o ponto de vista da qualidade do que ele produz no digital?
Lüdtke: Vou dividir a minha resposta em dois pontos. Para mim, a questão da instantaneidade – a pressa – é o que mais pressiona. Isto é um problema, porque a gente confunde agilidade com pressa. Tem muitas coisas no jornalismo digital que exige um planejamento prévio para que se possa ter agilidade na entrega. Em tudo o que a gente coloca pressa, essa “agilidade”, a gente corre uma série de riscos, como o de não fazer uma verificação correta, checar várias fontes, de se submeter demais ao “clique”, de lidar com uma informação que é totalmente correta. Depois que solta, a gente não traz de volta. O que eu acho que melhor define o trabalho no digital, entre essas características, além do aspecto multimídia, é a possibilidade de interação, é o único meio que possibilita isso. É possível receber online mais informações, críticas, perguntas, é um aspecto que deveria hoje ser melhor explorado pelo jornalista digital. Essa capacidade de relacionamento, de obtenção tanto de informações como de uma série de trocas, a partir do relacionamento com o público.
LS: Com relação a fontes, você acha que há diferença para o jornalista digital?
Lüdtke: Tem diferença, mesmo o jornalismo digital mudou e vem mudando nesse aspecto. Ele se formou muito em cima de fontes secundárias. Muitos refazendo ou utilizando conteúdos de outros veículos do mesmo grupo, o mesmo grupo tem um site e uma rádio, TV, jornal, os conteúdos são empacotados. A republicação de conteúdos publicados, tudo isso foi um achado ruim para o jornalismo. O jornalismo digital tinha menos peso, tinha dificuldade no acesso às fontes, por não ter marca, por não ter um espaço de exposição tão importante, tão relevante. Agora já se vê um jornalismo mais bem-feito. Ainda há entrevistas por e-mail, o WhatsApp, sem que seja retrucado, o registro sendo feito pelo entrevistado, sem estar cara a cara com ele. Antes, o entrevistado poderia receber uma pergunta pela qual ficaria desconcertado, hoje basta a ele fazer uma busca no Google e apresentar algo como se tivesse dado uma entrevista presencial. É o contato fácil, a pessoa pode responder a qualquer momento, mas se perde boa parte do que se poderia fazer durante um contato presencial. Antes era possível gastar o seu tempo entendendo o contexto, é algo que se perdeu, hoje se busca via internet, via reprodução ou leituras do que outros fizeram. Não tem o ambiente para você reportar, como é que a pessoa te recebeu, se ela foi interrompida por alguma coisa, se ela estava dando ênfase para determinado tema, se estava constrangida com alguma coisa.
LS: O que o jornalista poderia fazer para não cair nessa rotina e aumentar a qualidade do trabalho com fontes?
Lüdtke: Acho que é meio um caminho sem volta, mas usar recursos melhores, uma videochamada, quando é possível capturar um pouco mais de reações, de comportamento, é sempre melhor. A entrevista por e-mail facilita para todo mundo: para o entrevistado, para o jornalista, que pode trabalhar em outra pauta. Porém, uma coisa que o digital oferece é estimular melhor o contato pessoal, é melhor do que o telefone, eu recorreria a isso.
LS: Mercado de trabalho: o que você vê de perspectiva para o jornalista digital?
Lüdtke: Acho que tem várias especialidades no horizonte, vários caminhos, tem uma multiplicidade de usos desse conhecimento. Seja para fazer um jornalismo convencional, tradicional, ainda que no digital, seja também para trabalhar com comunicação em várias outras áreas e especialidades, como é o caso da especialidade à qual tenho dedicado parte do meu trabalho: a de verificação, de checagem de fatos. Outra, na parte de dados, um campo enorme para se trabalhar. Redes sociais, produção de conteúdo para redes sociais também tem uma diversidade de possibilidades. Novos empreendimentos, novos sites que vão surgindo para trabalhar com públicos específicos, com identificação de públicos de interesse que precisam de informação de boa qualidade. Newsletters transformadas nos novos jornais diários, podcast crescendo bastante no país, comunicação em vídeo. Em termos de mercado de trabalho, é um momento muito bom, e com perspectivas ainda melhores. O jornalismo, em si, está sofrendo uma série de ataques, mas principalmente centrados nas grandes organizações, que acabam tendo uma influência no discurso, no debate político. E vem da política esse ataque muito forte ao jornalismo, é preciso tomar cuidado, se defender, dar uma resposta à sociedade, principalmente para readquirir confiança. A baixa confiança no trabalho do jornalismo é algo que a gente vem observando há mais tempo e serve de munição para quem quer fazer esses ataques. O jornalismo está sob ataque, mas o mercado de trabalho para o jornalista apresenta uma série de possibilidades, uma oferta hoje muito maior. A remuneração é uma questão em aberto, porque é mais difícil. As iniciativas individuais requerem uma capacidade de buscar o financiamento para isso, por meio de assinaturas, publicidade ou outros formatos, há dezenas de formatos possíveis. Talvez, seja uma outra especialidade para o jornalista que queira enveredar por essa área, que é entender de negócios, em que o modelo de negócios tem que incorporar o modelo editorial.