

Entrevista com Leandro Iamin, jornalista e sócio da Central 3

Leandro Iamin
O podcast é uma mídia relativamente antiga para os padrões da internet, tendo surgido em 2004. Sua popularização no Brasil é mais recente, mas seu público sobe vertiginosamente. Uma pesquisa do Deezer, realizada em 2019, relatou um crescimento de 67% no consumo de podcasts por usuários brasileiros da plataforma. Nesse campo, também atuam Spotify, Google, Apple e diversos agregadores independentes - aplicativos que reúnem as produções. Leandro Iamin foi uma das pessoas que percebeu esse movimento acontecendo e hoje soma oito anos trabalhando com podcast à frente da Central 3.
Jornalista de 36 anos, formado em 2006, Iamin rodou bastante antes de mergulhar no projeto da Central 3. Leandro foi, por quatro anos, assessor da União das Escolas de Samba de São Paulo, profissão que relembra com carinho por ter conectado trabalho e prazer. Paralelo a isso, o jornalista já tentava encaminhar sua jornada para o esporte, seu interesse principal. Iamin tinha um blog sobre futebol que utilizava como portfólio, mostrando a conhecidos, desconhecidos, famosos, todo mundo. Por conta disso, começou a escrever no blog do jornalista esportivo Victor Birner, onde atuou por três anos, conciliando com outros trabalhos.
Um desses trabalhos era bastante peculiar: narrava jogos pelo interior de São Paulo em inglês para um site chinês de apostas. De rodoviária em rodoviária, conheceu estádios e cidades do seu estado, mas não tinha uma boa remuneração e precisou mudar de área. Depois, como redator de um site de vendas espanhol, Leandro Iamin era melhor recompensado financeiramente, mas não era feliz. Em busca de maior satisfação profissional e mirando em uma plataforma “do futuro”, juntou-se ao advogado Xico Pati - amigo com quem compartilhava o amor pelo rádio e o dissabor pelo então momento da carreira - para dar início ao ousado projeto de uma produtora independente de podcasts. Em 2013, a Central 3 iniciava seus trabalhos na rede mundial de computadores.
Hoje, a produtora conta com mais de 30 programas periódicos diferentes, caminhando por esporte, política e cultura. Nomes reconhecidos no cenário comunicacional brasileiro semanalmente pingam nos podcasts com o selo Central 3, como os jornalistas esportivos José Trajano, Eduardo Monsanto, Gerd Wenzel e Gabriela Moreira, o historiador Luiz Antônio Simas, o biólogo Átila Iamarino, o músico Luiz Thunderbird, entre outros.
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A reportagem conversou com Leandro Iamin sobre o cenário da “podosfera” brasileira, as mudanças, as características da mídia e a experiência do jornalista na trincheira da produção independente no meio digital.
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Montagem com alguns dos programas da Central 3. Imagens disponíveis no site da Central 3
Como é a rotina na Central 3?
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Leandro: A rotina da Central 3 é formada, a princípio, por 4 pessoas. Eu, meu sócio (Xico Pati), Matias Pinto e Gil Luiz Mendes. A gente é o corpo duro da produção, recebe o material bruto, olha todos os programas, vê se nenhum deles tem conteúdo sexista, preconceituoso, algo que não deva ser subido. Isso é uma preocupação nossa, a gente tem mais de 30 programas regulares, só uma parte da nossa programação é de conteúdo autoral, o grosso dela são parcerias que a gente participa de alguma forma. Somos nosso próprio “departamento de vai dar merda”, por isso nesses oito anos, nunca subiu nada que seja vergonhoso.
Essas parcerias funcionam de que forma?
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Leandro: Cada programa tem um modelo de negócio diferente, com cada um a gente faz um acordo. Não somos colonizadores de conteúdo como alguns grandes sites que pegam e absorvem projetos já existentes. A gente tenta ser parceiro na acepção da palavra. Temos que mediar cada programa em redes sociais, lidar com suas necessidades comerciais e objetivos diferentes. Cuidando de cada um, sem negligenciar nenhum. Boa parte do trabalho está nessas tarefas que o público final não vê.
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Como você percebe a chegada de grandes empresas, como o Spotify e a Globo, no mercado de podcasts? E a Central 3 no meio disso?
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Leandro: A água se mexeu muito quando chegou o Spotify, e depois a Globo. São dois transatlânticos e o nosso barquinho balança porque eles chegam com muita força. A maioria da audiência ouve através de um feed, não vão até um “.com.br” para acessar seus podcasts preferidos. A tendência das grandes empresas é pagar por produções que sejam exclusivas das suas plataformas. Essa é a parte mais delicada da história. Porque você, de alguma forma, está segregando o produtor que ainda não é consagrado o suficiente daqueles que já conseguem ter um contrato.
Por outro lado, são as empresas que estão entrando com o dinheiro, elas pagam por isso e o podcast até hoje não conseguiu encontrar uma maneira de ser bem remunerado. Um bom podcast demora muitas horas para ser feito. Roteiro, pesquisa, gravação, edição, hospedagem, publicação e pós-publicação. É um trabalho que às vezes leva 10, 15 horas, se juntar tudo.
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Mas, comprar um programa que tem cem mil downloads é fácil. Agora, comprar uma boa ideia e esperar, fazer o plantio e a colheita, isso acontece pouco. A força que a Central 3 tem, um barquinho nesse marzão, a gente usa no caminho que acreditamos ser o ideal. É uma produtora independente, não queremos ser uma produtora formal. Não faz sentido a gente ter um lugar independente para fazer o que qualquer empresa faria. Tentamos fazer diferente, mas acho que dá para coexistir com essas empresas numa boa.
Qual a importância do financiamento coletivo para a produção independente?
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Leandro: Fundamental na acepção da palavra. Não é um luxo, não é uma escolha, é o que funda nosso trabalho. Quando alguém ajuda uma campanha, não está se comunicando apenas com dinheiro, está se comunicando através de confiança, reforço editorial. Se eu produzo e não vejo a cara de quem está ouvindo, só eventualmente vejo as estatísticas, os números, eu posso perder a dimensão de que são pessoas que estão me ouvindo. Pessoas que tem expectativas a respeito do que a gente vai falar a partir do que a gente se propôs a fazer desde o início da Central 3.
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O microfone que eu estou usando custa 350 reais, não é exatamente um investimento luxuoso, mas uma mesa de som e um bom notebook muitas vezes são. Além do seu tempo de trabalho. Tudo isso custa dinheiro. Se consolidou por muito tempo a ideia de que fazer podcast era ligar um microfone, mesmo que ruim, um computador, mesmo que ruim, e falar qualquer coisa. Podcast não é microfone aberto e “vamos conversar”. Assim como o blog, no início dos anos 2000, não era você abrir um site e ir escrevendo, quem produz podcast, aos poucos, vai descobrindo que existem métodos.
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Eu não quero ser elitista, alguém que aponta o dedo para quem apenas quer abrir um microfone e conversar, é um espaço livre e o podcast nasceu dessa possibilidade de liberdade. Mas o podcast está entrando na era do reconhecimento do trabalho. Tem roteiro, pré e pós-edição, postura no microfone, tem o jeito de dar oi e tchau, tem muita coisa. E a gente sabe que não é o Spotify que vai remunerar quem faz esse bom trabalho, vai remunerar o produtor que tem um grande número, coisas que às vezes não andam junto.
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Em primeiro plano, Leandro Iamin e, ao fundo, Matias Pinto, no estúdio da Central 3. Fonte: facebook da Central 3
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​Na sua percepção, quais são os desafios para o jornalismo no meio digital?
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Leandro: Um ponto que vejo sobre o jornalismo na web, e nesse sentido o podcast pode dar uma contribuição muito boa, é a questão do imediatismo. A gente esqueceu que, até pouco tempo, tinha que esperar até às seis da manhã do dia seguinte para ler o jornal. Essa coisa se mistura com a opinião do imediato. Acho que a opinião do imediato pode ser ótima. O Bolsonaro dá uma entrevista e a gente pode dar uma opinião e usar a internet pra isso, mas a informação pode esperar um pouquinho.
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Hoje, em nome da rapidez, a gente tem muito texto de redação ruim, apuração ligeira e que poderia, com uma ou duas horas a mais de trabalho, ter um texto muito melhor, mais substancioso, mais bem acabado. Sei que tem um outro lado, com especialistas dizendo que se demorar tem menos click e menos click é menos dinheiro. Eu entendo essa questão, mas, do ponto de vista pragmático da minha profissão, não faz sentido a gente fazer as coisas assim. O relógio não é um revólver apontado pra gente, temos que saber lidar melhor com o tempo para fazer produções com melhor qualidade.
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Um podcast de sucesso recente, o Café da Manhã, sai na hora que o jornal entra na banca. Conheço gente que tem dificuldade com essa espera. O que está ali bem retratado, com texto ótimo e numa fluidez espetacular, o cara já tinha visto no Whatsapp de maneira tosca, lido num portal com o texto escrito com pressa. Quando chega a informação bem trabalhada, ele já cansou dessa notícia. Não sei como resolver, mas é o que mais me incomoda no webjornalismo, como transformar o relógio em nosso sócio e não vilão.
Como é a gestão do Mané Garrincha, o estúdio da Central 3?
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Leandro: Algo que pouca gente se dá conta é que, além do nosso financiamento coletivo, a gente fecha o mês [financeiramente] porque aluga o estúdio para diversos projetos. Audiobook, treinamento de empresa, edição de palestras e material corporativo, a gente faz bastante coisa.
Na pandemia, a gente perdeu essa renda, é uma situação dramática. Mas é isso, a gente não tentou encontrar uma maneira de não ter esse prejuízo “dando um jeito”. Nossa reunião durou dois minutos: não vamos abrir o estúdio para não colocar ninguém em risco. Fechamos o estúdio antes mesmo da cidade de São Paulo, lá no início da pandemia. É o prejuízo que a gente está tomando em troca de dormir bem.
Agora, em 2021, a gente tem a possibilidade de usar um protocolo onde uma ou outra pessoa consiga usar o estúdio ao mesmo tempo, algum tipo de proteção que torne minimamente seguro, mas a produção mesmo do estúdio a gente parou. A gente precisa dessa fonte de renda. De alguma forma, eu estou fazendo uma confissão para vocês. A Central 3 vai fechar um ano trabalhando com um prejuízo que a gente não podia operar. É assim a vida dos veículos independentes.
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Você pode falar um pouco sobre como é trabalhar com profissionais que você admira desde os tempos de sua formação, como o José Trajano?
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Leandro: Sempre sonhei em trabalhar na ESPN com o Zé Trajano. Ele trabalhar comigo na Central 3 era uma utopia absoluta, ainda mais do jeito que foi. Jamais poderia imaginar que ele queria um lugar como a Central 3 depois de tudo que ele já tinha vivido, e era o que ele queria. Não foi a gente que foi atrás dele, ele que pediu para conversar comigo. Isso não tem preço.
A gente fica nessa ideia de que um cara que passou quinze anos jogando no Grêmio não vai querer jogar com o meu time de futebol amador, mas de repente o coração do cara precisa disso um pouquinho. Ele já viveu muito a tensão dos engravatados, da sala encarpetada, da turma do whisky, conversar com gente que não gosta. Às vezes um lugar como a Central 3 cabe no novo momento da vida das pessoas e, pra mim, o Zé Trajano é o maior exemplo disso.

Imagem da gravação de um episódio do podcast Ponta Pé. Leando Iamin no primeiro plano e os jornalistas Eduardo Monsanto e José Trajano. Fonte: facebook da Central 3
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Para você, onde o podcast e o rádio se encontram e onde se afastam?
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Leandro: Quando a gente começou em 2013 eu tinha que falar para minha mãe e minha avó: “é como se fosse um programa de rádio, mas Netflix também, você ouve quando quiser”. Hoje, sinto que não é precisa a comparação. O principal ponto é que a pessoa que escolhe ouvir podcast ouve a partir do segundo zero.
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Então, quando eu faço um podcast, sei que você começou a ouvir do play. Preciso passar o cabeçalho apenas uma vez, isso não acontece no rádio. Que está ali rolando, ao vivo, com a chamada audiência rotativa. Assim, é preciso repassar constantemente o tema e repetir o cabeçalho. Isso se reflete também na questão comercial. No programa de rádio, não faz muita diferença se a propaganda entra no começo ou no fim, de repente é até melhor entrar no fim. No podcast não, uma propaganda que entra no primeiro minuto é mais valiosa, porque você está se apropriando daquele momento de escolha.
Muito se associa podcast a rádio porque o tom é o mesmo, a gente cristalizou essa ideia. Tem o trejeito e o ritmo do radialista, mas o podcast está mudando por causa dessa coisa do roteiro. As pessoas estão roteirizando mais, editando mais, e isso está transformando algumas dinâmicas. Não se fala mais como se fosse um programa de rádio, o ritmo mudou.
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Você ouve um Projeto Humanos, um Vida de Jornalista, podcasts bem roteirizados, a pessoa fala em um ritmo que já não cabe no rádio. Parte do princípio que ela já tem você, não precisa estar jogando injeções de dopamina o tempo inteiro, que é uma coisa que o rádio popular precisa. Com isso, o podcast está se distanciando do rádio. Mas a natureza central é a mesma: um microfone e uma pessoa que não está aparecendo. Mesmo que virem primos distantes, sempre serão primos.
Que dica você daria para quem pretende começar a fazer podcast?
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Leandro: Prestem atenção no roteiro sempre, façam com cuidado o pré-programa e o pós também. Ter alternativas para esse roteiro. Sejam íntimos do seu roteiro, esse é o ponto para produzir podcast nos próximos anos.
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E para alguém que está iniciando a carreira como jornalista, qual seu conselho?
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Leandro: Para jornalista é o que eu falo sempre, você vai ter muitos trabalhos na sua vida, biografia você só tem uma. Priorize a biografia, trabalhos vão e vêm. Você vai se decepcionar, lidar com gente que não se interessa em quem você é e o que você tem a propor. O apego você tem que ter com a sua biografia, essa mancha você não tira. Trabalho você troca.
Entrevista realizada por Frederico Lisboa e Lucas Guimarães